Watchmen: um filme legal, uma péssima adaptação

ATENÇÃO: CONTEM SPOILERS DE WATCHMEN

''Watchmen, O filme'' de 2009, dirigido por Zack Snyder; é uma adaptação do quadrinho de mesmo nome escrito por Alan Moore e ilustrado por Dave Gibbons.

Watchmen, de Alan Moore

Watchmen, junto de 300 foram os primeiros trabalhos de Snyder com adaptações de quadrinhos, e esse conjunto o trouxe renome dentro do meio de CBM (Comic Book Movies), sendo elogiados devido sua alta fidelidade com os painéis dos quadrinhos, quase como um "copia e cola" de sua fonte original. Mas a verdade sempre está um pouco mais abaixo...

Watchmen de Snyder

Mas a questão é, como Watchmen, mesmo sendo uma adaptação quadro-a-quadro, poderia ser uma adaptação problemática de seu original? A resposta é algo bem menos entrelaçado a seu roteiro e mais a sua estética e mensagem por trás.

Watchmen de Alan Moore faz uma abordagem de desconstrução de Super-heróis, utilizando de paródias dos personagens da Charlton Comics (que posteriormente viriam a ser comprados pela DC), com um cenário pessimista e estética mundana, e visuais que se assemelhassem a era de prata dos quadrinhos; mas com a distinção de que estão em um mundo mais similar ao nosso.

Os personagens que inspiraram Watchmen

A trama central do quadrinho envolve uma conspiração em meio a um ex-equipe de heróis mascarados, onde seus antigos integrantes estão sendo assassinados, e assim seguimos diversos pontos de vistas a cerca desses eventos enquanto eles se entrelaçam em meio a essa grande conspiração.

A ambientação de Watchmen aborda um EUA no qual Vigilantes mascarados são reais e eles venceram a Guerra do Vietnã, com o país em um momento de extrema fragilidade devido a ameaça da Guerra Fria e de uma ameaça Nuclear.

Um dos conceitos mais importantes da trama da série em quadrinhos é a moral duvidosa e o quão falho são seus heróis, sempre representado junto da frase "Who Watch the Watchmen?" (Quem vigia os Vigilantes?). O quadrinho não nos poupa esforços em sempre nos mostrar o quão internamente quebrados eles são, brincando sempre com atitudes que beiram a vilania em diversos casos.

Já quanto o filme, ele parece ser sempre meio confuso na hora de demonstrar isso. Seja com seu estilo de autoglorificação característico de Snyder, quanto escolhas por alterar na trama de seus personagens, fazendo com que Rosrchach e Comediante sejam mais "relacionáveis" com o público geral, ao invés de causar o repúdio esperado, excluindo momentos em que os personagens demonstram atitudes de Misoginia, homofobia e racismo para demonstrar suas reais personalidades, tornando assim, mais fácil com que eles sejam "gostáveis".

O Comediante.

A apresentação dos personagens também é muito afetada no filme, fazendo com que os arquétipos dos personagens se percam tanto em sua estética quanto nos elementos do roteiro alterado.

O personagem mais afetado por esse problema é o Coruja (Nite Owl), que nos quadrinhos é retratado como uma sátira do Besouro Azul II, Ted Kord, só que agora aposentado e com problemas de autoestima. 

O quadrinho trabalha a imagem do Coruja como um senhor já de idade, acima do peso e extremamente retraído em seus trejeitos, e extremamente pessimista tudo isso para indicar a sua vulnerabilidade quanto pessoa, que é abandonada nos momentos em que ele se veste como Herói, se tornando alguém mais confiante de si.

O coruja de Alan Moore e Dave Gibbons

Já o filme, pelo fato do Coruja ser o personagem que mais se aproxima de ser "o principal", o aborda de uma maneira um tanto diferente.

Nós temos um rapaz elegante, sempre bem vestido, habilidades de combate excepcionais(ele arranca um osso do braço do cara com um soco?????) com um tom bem pequeno de timidez e um problema de autoestima que só parece surgir quando o filme se lembra que precisa deles pra seguir o roteiro.

Além de sua apresentação visual de herói, que tá bem mais próxima do Batman de Christopher Nolan (seu contemporâneo) do que para o de sua ideia original.

O Coruja de Snyder

Watchmen, o filme, também volta a cometer erros na forma como aborda o desenvolvimento de sua protagonista feminina, Espectral II(Silk Spectre II), fazendo com que seu desenvolvimento seja motivado e encaminhado pelos personagens masculinos da obra, seja com o Dr.Manhattan ou com o Coruja. Fora seu visual, que parece ter saído diretamente dos sonhos mais molhados de um adolescente de 14 anos ilustrando uma fanfic sobre sua "Waifu", em uma re-imaginação tão desnecessariamente mais sexual que quebra qualquer valor de uma critica e passa a se tornar mais um exemplo do que o quadrinho tentava criticar em sua ideia original.

Comparação entre os dois trajes da Espectral.

Todo esses problemas com a abordagem da Espectral culminam no pior caminho possível que poderiam ter para a personagem, que é a revelação sobre a real ligação entre a personagem e o já falecido Comediante, onde no quadrinho, o que é uma descoberta feita individualmente pela personagem ao ligar os pontos de seu passado, no filme é feito com que o Dr. Manhattan simplesmente toque em sua mente e a faça descobrir sobre isso devido sua influencia, quebrando totalmente a independência que a personagem teria nessa ação e dando de mãos beijadas a  um homem.

Seguindo ao final do filme, forma como o grande plot twist de Watchmen é executado também difere entre a adaptação e o material original. no final, a cena da destruição de Nova Iorque, no filme é expandida para um desastre de proporções globais, o que por certo lado acaba se  tornando uma adaptação positiva do momento original e faz os eventos posteriores serem mais condizentes com a narrativa.

Porem o filme volta a cometer os seus erros ao alterar a forma como o plano de seu principal antagonista é executado, onde nos quadrinhos nos é apresentado um plano que a primeiro plano se demonstra idiota e potencialmente falho, porem com a ajuda de elementos em meio ao decorrer da obra e uma argumentativa que vai sendo feita ao decorrer da obra pelo autor através de pistas apresentadas pelo autor, a Lula gigante interdimensional passa a fazer total sentido e ser palpável.

A Lula gigante de Watchmen.

Já o filme toma uma abordagem diferente do plano pensado pelo grande vilão, fazendo a alteração da lula por um outro fator, o qual a primeira vista parece bem... justo? tipo, vamos ser sinceros, a ideia da Lula apesar de muito bem trabalhada e bem convincente dentro do contexto da obra ela ainda parece algo muito absurdo e que potencialmente não combinaria com a estética criada para o filme. uma escolha bem justa e compreensível.

Mas pelo visto não se pode elogiar o filme por mais de dois parágrafos, a escolha que ele toma sobre como alterar a ideia original é executada de uma forma bem mais xula em comparação ao original, removendo todos os insights criados como preparação de terreno para o grand finale da obra, se tornando apenas uma revelação surpreendente, mas sem a ideia do "meus deus, é verdade, era isso..." que o quadrinho original passa, e tornando o envolvimento do personagem de Ozymandias apenas como um twist villain que perde para qualquer um dos mil e um do mesmo tipo que a Disney faz.

Ozymandias.

Em geral, as alterações do filme fazem sentido em primeiro momento, porem ao se ter um momento para pensar sobre as escolhas tomadas pelo personagem até o momento em que seu plano é executado, acaba se tornando mais fácil traçar uma linha que ligue Veidt aos atentados realizados no longa em nome do Dr. Manhattan, isso devido a escolhas que pareciam mais logicas isoladamente, mas ao encaixar todas as peças acabaram criando um buraco narrativo.

Em suma, esse seria o principal problema do longa, suas alterações enquanto tenta se  manter fiel a obra, o que se torna algo que cria uma certa incoerência devido a maneira que o Snyder conduz a historia ser totalmente diferente da forma que Moore conduz a mesma, o que acaba criando um conflito de ideias dentro de seu próprio roteiro, uma verdadeira maçaroca de estilo vs narrativa.

não que isso tire os méritos do filme filme, ele ainda possui seus momentos e é uma experiência que se vale a pena ter, porem como uma adaptação e se tendo conhecimento prévio sobre a obra como um todo, ele acaba por se tornar frustrante. e falha em agradar o publico que Snyder tenta sempre alcançar|: os fâs mais fervorosos.

O filme não é a pior (dommsday clock) nem a melhor (watchmen da HBO) adaptação do quadrinho, mas sem duvidas acaba sendo a mais marcante pelo seu estilo irreverente e único.

Nota final: é melhor ir ler o Quadrinho

- Maian "Ham" Costa.