Homem-Aranha no Aranhaverso e os estereótipos do jovem negro.

 


Homem-Aranha no Aranhaverso (2018), filme que introduziu Miles Morales e diversos outros Homens-Aranha a um público mais novo nos cinemas é considerado por muitos (inclusive por mim) uma das melhores animações no audiovisual e uma das melhores adaptações dos quadrinhos do super-herói mais popular, influente e importante da Marvel. É impossível negar não só a popularidade mas também a qualidade e IMPORTÂNCIA desse filme. A partir dele, diversas crianças, meninos e meninas, puderam se enxergar no Homem-Aranha, seja no próprio Miles ou na Gwen Stacy, que no filme é a Mulher-Aranha.

Vocês já estão cansados de saber como valorizamos a importância de representatividade em super-heróis para crianças. Mas apesar de todo o impacto positivo desse filme, alguns detalhes o impedem de ser perfeito.

Miles Morales, Peter Parker e Gwen Stacy em Homem-Aranha no Aranhaverso.

Em 2011, com a ideia de trazer um personagem que apelasse com outro público como o Homem-Aranha, Miles Morales foi introduzido no Universo Ultimate da Marvel (um universo alternativo dos quadrinhos com histórias cujo o objetivo era trazer novos leitores para as histórias da editora). Após a morte de Peter Parker, Miles assume como o principal e único Homem-Aranha daquele universo.

Criado por Brian Michael Bendis e Sara Picheli, Miles era um menino de 13 anos, afro-latino, filho de uma enfermeira e um policial, extremamente inteligente e esforçado. O personagem não carregava nenhum estereótipo que gritasse "olha aqui, este personagem é negro!" e suas histórias focavam apenas em como uma criança do Brooklyn tinha a responsabilidade de substituir um dos maiores heróis de Nova York.

Ultimate Spider-Man 

10 anos após sua criação, Miles Morales já foi parte dos Vingadores, membro fundador dos Campeões e é sucesso em diversas mídias fora dos quadrinhos, tendo protagonizado até um jogo exclusivo de Playstation!

Spider-Man: Miles Morales (2020)

Enfim, a recepção do personagem pelo público e mídia não poderia ter sido mais positiva, e devo dizer que as adaptações apresentam bem quem é Miles Morales pro público: um adolescente carismático, esperto e muito apegado à sua família e à responsabilidade de ser o Homem-Aranha.

O problema é que na adaptação mais popular do personagem, tiveram a brilhante ideia de adicionar um traço novo de personalidade ao Miles: o "swag" exagerado do jovem negro.

Cena de abertura de Homem-Aranha no Aranhaverso.

O filme adicionou um gosto por hip hop, grafite e em tênis da Nike ao personagem, que nos quadrinhos era até então um nerd desenvolto com muita criatividade e habilidade em escrever.

Em Homem-Aranha no Aranhaverso, em todo momento o filme tenta reforçar pro espectador que Miles é um adolescente negro. "Olha como ele gosta de basquete! Escuta hip-hop! Ta vendo o jordans no pé dele? Ele até sabe pichar parede!" e isso é completamente desnecessário.

Já com Gwen Stacy, por exemplo, a narrativa arranja outras formas de mostrar como a personagem é uma bailarina, e ainda assim foge do estereótipo de menina delicada, já que ela parece com visual e atitudes bem radicais durante o filme.

Gwen Stacy, a Mulher-Aranha.

Até no marketing do filme eles fizeram questão de deixar claro que Miles seria o Homem-Aranha Negro. Em todos os materiais promocionais ele aparece usando um Jordan e um capuz em cima do uniforme, mas no filme esse visual não dura uma cena de 5 minutos!

O próprio uniforme do Miles no filme é o uniforme do Homem-Aranha original pintado com tinta spray, mas levando em consideração todo o contexto do enredo, não faz sentido reclamar disso aqui. A não ser que eles insistam com esse conceito na sequência, Através do Aranhaverso, que já prometeu um uniforme inédito para o novo Homem-Aranha.

Traje "urbano" de Miles Morales no filme.

Miles, que nos quadrinhos recebe o tratamento normal de super-herói mainstream (personagem popular e de postura heroica, como o Homem de Ferro, o Capitão América e o Homem-Aranha original) vem cada vez mais recebendo o tratamento de um herói urbano (heróis que geralmente se resumem a representar uma minoria ou situações aproximadas a nossa realidade, como o Luke Cage), e isso começou com seu visual e personalidade, que vem ficando cada vez mais esteriotipado em o que é ser um jovem negro (que pasmem: não é nada diferente de ser um jovem branco).

Não é necessário adicionar nada além de um personagem visualmente parecido com a gente pra que possamos nos sentir vistos, e personagens como Sam Wilson, Máquina de Combate, a Tempestade e o Pantera Negra são um ótimo exemplo disso.

O pior é que essa ideia de urbanizar o traje de Homem-Aranha de Miles Morales chegou aos quadrinhos, e foram incorporados uma jaqueta e um tênis no novo uniforme do personagem.

O novo traje do Homem-Aranha em Miles Morales: Spider-Man.

No fim, esses estereótipos não afetam a narrativa do filme, mas tem se mostrado cada vez mais comum no personagem e é algo que podia e devia ser deixado de lado na sequência. Não existe nenhuma necessidade de diferenciar pessoas pretas de brancas em histórias de super-heróis. Queremos estar presentes, nos sentir representados, mas nos resumir em um tipo de pessoa com os mesmos gostos e costumes não é bem a melhor forma de se fazer uma inclusão.

Homem-Aranha Através do Aranhaverso estreia apenas em 2023, e como o filme promete focar em Miles visitando outros universos e encontrando outros Homens (e mulheres)-Aranha, torcemos pra que o lado heroico, responsável e esperto do personagem seja um foco maior do que o que os roteiristas pensam que é o jovem negro médio.


– Tiago Sampaio.

Comentários

  1. Esse é um ponto muito bom sobre a caracterização do Miles, a linha entre representatividade e esteriótipo exige sensibilidade dos escritores e desingners responsáveis pela retratação do personagem. O artigo aborda muito bem também como essa sensibilidade pode ser perdida em projetos guiados prioritariamente por marcas, afinal não é por acaso todo esforço colocado pra associar o Miles à nike nos materiais promocionais, como se dissessem "aqui garotos negros, esse é o tênis que o herói de vocês usa, e que vocês devem usar também". Enfim ótimo artigo.
    PS: dito tudo isso, eu adoro o traje novo que o Miles ganha na run de 2018.

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