O que faz uma trilha de Star Wars, pertencer a Star Wars?
Com o crescimento das séries de Star Wars no Disney+, uma frase tem sido muito usada pela produção para descrever a música: "Vamos nos afastar de John Williams". Ora, veja bem, é interessante pensar nessa abordagem, porque o próprio Williams se afastou do som da época, lembre-se que Star Wars lançou no fim dos anos 70 e os eletrônicos estavam em alta para SciFi, porém Williams se voltou para os clássicos compositores quando compôs para Star Wars, criando um som sinfônico exclusivo na época, que depois foi copiado em subsequentes anos, por outros querendo capturar essa mágica.
Porém, ninguém consegue copiar o maestro, e pedir isso de alguém é uma tarefa pesada demais. Independentemente, com a expansão de Star Wars nas mídias, Williams ainda assim era o caminho a se seguir. Quando não se pegava músicas do próprio, os compositores escreviam no estilo de Williams (provavelmente para não soar estranho quando saísse de Williams para uma faixa original), chegamos então a uma primeira pergunta.
Emular Williams cria uma barreira na criatividade dos compositores?
Se já leu as reviews de Rebels que fiz, sabe que não é uma pergunta simples. Copiar e colar é o caminho mais fácil, e quando se é requerido isso, bem, não há muito o que fazer, mas até mesmo Rebels, da 2ª temporada adiante, conseguiu fornecer uma das melhores trilhas não-Williams de Star Wars, quando saíram da sombra do homem e criaram a própria voz.
Mas um bom compositor consegue se manter no som Williams 100% e ainda ser criativo. Fallen Order (Stephen Barton & Gordy Haab), Shadows of the Empire (Joel McNeely), a série de jogos de Old Republic (Mark Griskey & outros) e diversos outros jogos da época LucasArts. Mesmo assim, Williams adicionou novos elementos no cânone sonoro de Star Wars a cada filme que ia compondo, mas ainda se mantendo no som sinfônico. Será essa então a solução?
É tudo sobre a orquestra?
Quando Kevin Kiner foi contratado para Clone Wars, George Lucas disse a ele para ir aonde Star Wars ainda não tinha ido musicalmente, e as primeiras temporadas realmente alopram em alguns lugares, mas Kiner fez questão de manter a orquestra, e apesar de ser em sua maioria MIDI, o som sinfônico permanece, com o estilo Kiner, e 7 temporadas depois, é difícil alguém questionar que agora esse som faz parte do catálogo de Star Wars (apesar de não ser emulado como o de Williams é).
E o mesmo ocorreu em Solo, John Powell pega o tema criado para o filme por Williams e brinca com ele em seu estilo, é 100% uma trilha de John Powell, mas 100% Star Wars também, ninguém discute isso. O contrário do que ocorreu com Giacchino em Rogue One, onde um ponto de contenção é que ele tenta emular demais Williams e acaba falhando ou não grudando tudo sonoramente (eu particularmente, gosto da trilha, mas realmente não é 100% Giacchino, apesar de ter alguns de seus toques. Mas vamos lá, o cara teve apenas 4 semanas para compor e gravar a trilha), então talvez seja isso, o som orquestral, mas aí entramos nas séries do Disney+.
Kevin Kiner, John Powell e Michael Giacchino da esquerda para direita.
Uma trilha Star Wars deve ser algo em um círculo sonoro específico ou se expandir?
O tema do Mandaloriano... Icônico, assim como a trilha a essa altura, mas gerou muita controvérsia na época. A falta de reconhecimento de temas e do som Williams estranhou muitas pessoas, mas Ludwig Göransson não faz nada sem pensar, e a ideia era realmente, quanto mais a história progredisse, mais o som Williams entraria na música. O que insere a ideia de "a música reflete a realidade do personagem". Mandalorian pega do faroeste, então Ennio Morricone é a inspiração, ao invés de Williams (Bill Conti também, mas acho que isso foi mais culpa de Göransson ter trabalhado em Creed, que qualquer outra coisa), Din não sabe o que é a força, sem tema da força então. Faz sentido em retrospecto, mas é uma abordagem nova, até Clone Wars não parava de utilizar o tema da Força. E quando chegamos a segunda temporada, o tema da Resistência apareceu (duas vezes!), do Yoda, da Ahsoka e o da Força. E quando vamos para Boba Fett, Joseph Shirley utiliza mais a orquestra, ainda mantendo sons e inserindo outros novos no catálogo sonoro, que já foram utilizados no especial de Lego desse ano (2022).
Ludwig Göransson, sem Joseph Shirley por ele não ter uma sequer foto boa.
Apesar de ir em rumos estranhos na época, Williams ainda era uma referência, no episódio 7 da primeira temporada, uma versão orquestral (minha preferida) do tema do Mando nos agraciou. Então seguindo esta noção de "a música reflete a realidade do personagem"... O que diabos foi Obi-Wan Kenobi?!
Quando se vai longe demais em alguns lugares?
Essa é a pergunta que aborda Kenobi e Andor. Coitada de Natalie Holt, não a culpo de nada, absolvida. Ela já testemunhou do inferno que foi trabalhar na trilha, tendo que escrever +- 15 versões do tema para Leia na série, tentando conectar ao tema da Leia de Williams e sendo mandada a afastar cada vez mais e mais dele. Se essa foi a abordagem para toda série... Bem, faz sentido sair o que saiu. É uma trilha Zimmer em Star Wars, apesar de achar que nem Zimmer faria algo assim, particularmente, eu gosto de algumas ideias em um vácuo, e funciona relativamente na série, mas quando se coloca junto com qualquer outra música de Star Wars... não encaixa. Foi tão um problema que Williams foi pedido para criar um tema para a série e William Ross recompôs algumas cenas com esse novo tema e uma abordagem mais Williams (Ross, ha), as melhores faixas da série, em minha opinião. Até a decisão de não usar os temas até o último episódio só faz sentido com ginástica mental, não é uma série que "a música reflete a realidade do personagem", porque a realidade dos personagens está intrinsicamente conectada a Williams, e perceberam isso depois.
Já Andor é uma série que essa noção se aplica 100%, apesar de a maioria não ser minha praia (onde instrumentos soam como instrumentos é a minha praia, os momentos mais íntimos geralmente "Past-Present Suite" é linda), definitivamente é a trilha para Andor. Uma abordagem Williams funcionaria? O maestro consegue qualquer coisa, mas outro, não tenho certeza, Nicholas Britell acho que conseguiria algo interessante, porém Tony Gilroy também tem uma opinião bem particular sobre música. Mesmo assim, talvez não encaixe que nem Kenobi no espectro geral de Star Wars (acho que, novamente, quando a orquestra soa como uma orquestra, encaixa), mas é perfeita para a série, talvez chegando a Rogue One as coisas mudem, como Mandalorian, até lá, a dúvida então continua.
Nicholas Britell, Natalie Holt e William Ross, da esquerda para direita.
Qual o veredito?
Como o apóstolo Ben Kenobi uma vez disse, "tudo é permitido, mas nem tudo convém". O que isso quer dizer nesse meio? É com você, a verdade é que não há resposta certa, cada um tem um gosto e cada um tem seu próprio cânone, até musical. No fim, seguindo essa onda de Star Wars ir para modernidade musical (apesar de retornar a estética dos filmes originais, ironicamente), vamos ouvir de tudo um pouco, a pergunta então será: O que deve permanecer e também ser emulado em seguida?
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