Homem-Aranha: Através de Alegorias para Aceitação.
No início desse mês eu (@tiagosamps) vim aqui pra entregar a resenha sem spoilers sobre Homem-Aranha: Através do Aranhaverso. O filme é tão bom que ele não sai da minha cabeça, e eu passei dias pensando sobre abrir um novo texto pra conversar sobre detalhes da trama. Esperei um tempo (nossa política de evitar spoilers é de exata uma semana a partir do lançamento oficial do filme), reassisti ao filme, e decidi trazer todos os principais pontos que têm sido discutidos na internet pra tentar esclarecer, teorizar e dar minha humilde opinião – que você já sabem que geralmente é o gabarito. Vamos lá?
Se você já leu a "Review que Ninguém Pediu" sobre o filme (leia), já entendeu que o filme bate muito na tecla do pertencimento. Miles Morales segue uma jornada de encontrar um lugar onde não se sentiria sozinho. O filme começa com esse assunto de forma sutil, com Miles escolhendo uma faculdade que seus pais não aprovam e convencendo-os de que sua decisão faz parte do seu processo de autoconhecimento e descobrimento. Eventualmente Miles encontra seu tão desejado lugar, repleto de pessoas como ele, na Sociedade Aranha. O ponto de virada do filme acontece não só quando Miles descobre que não pode salvar seu pai, mas quando descobrimos que, canonicamente, Miles não deveria ser o Homem-Aranha. Todo o discurso agressivo de Miguel O'Hara sobre Miles ser uma anomalia, um acidente, e que sequer devia estar ali, quando tudo que Miles queria é fazer parte de algo com pessoas que eram como ele, é o ponto de identificação que transcende a trama multiversal do filme.
Os pais de Miles tem um papel importantíssimo na construção desse arco. É o discurso de Rio Morales que encoraja Miles a, de fato, ir atrás da Sociedade Aranha, e esse mesmo discurso ecoa por todo o resto da jornada de Miles na trama, inclusive no confronto com Miguel, quando a lembrança desse discurso motiva Miles a seguir seu próprio caminho e contrariar o cânone.
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"Nunca esqueça de onde veio [...] e nunca deixe alguém dizer a qual lugar você pertence." – Rio Morales (em tradução livre retirada da cena original do filme em inglês) |
Muito além de ser o Homem-Aranha, o arco de pertencimento de Miles Morales conversa também com as origens do personagem. A sensação de não pertencer à algum espaço é muito recorrente com jovens negros, e no caso do personagem, ele ainda é latino nos Estados Unidos. É comum, como pessoas negras, ouvirmos que não pertencemos ou encaixamos em algum espaço, e o discurso da mãe do Miles toca (pelo menos me tocou) como um lembrete. O Miles sempre foi uma alegoria pra assuntos sociais e étnicos, e nessa jornada de pertencimento não foi diferente.
Muitas pessoas interpretaram o arco do Miles, especialmente os momentos de tentativa de contar seu segredo pros pais, como uma alegoria ao processo de sair do armário, o que admito que parece muito. E o bom da arte, quando bem feita, é exatamente a capacidade dela se relacionar com todos, e assim como diz no filme, não deixe NINGUÉM te impedir de se ver nos temas do filme, mas é importantíssimo que não se esqueçam e, principalmente, não apaguem o real grupo social do qual Miles foi CRIADO pra representar há 11 anos atrás.
Miles não é o único protagonista no filme, então logicamente ele não é o único que passa por um desenvolvimento. Gwen Stacy também passa pelo seu próprio arco, que inclusive eu só fui apreciar direito na segunda vez que assisti ao filme.
A Mulher-Aranha começa como o destaque do filme, quando finalmente descobrimos a origem que no primeiro filme apenas passaram por cima. Conhecemos os conflitos da personagem, e assim como uma galera leu no Miles uma alegoria pra sair do armário, em Gwen Stacy, por outro lado, sentimento também é forte e faz sim sentido! Até a identidade visual da personagem, assim como de todos os outros no filme, é única, e toda vez que estamos na Terra 65 (universo de origem da personagem), nos deparamos com uma paleta azul, rosa e branco.
Não só isso, o quarto da personagem tem uma bandeira com a escrita "PROTEJA CRIANÇAS TRANS" e o Capitão Stacy, seu pai, tem um broche com a bandeira no seu uniforme de policial.
Enfim, é importantíssimo que todos possam se ver na arte, mas seria legal termos a noção e o tato de não apagarmos pautas importantes nesse processo. Tem espaço pra absolutamente todo mundo nesse filme e a trama mostra isso de uma forma magnífica, principalmente quando essa é uma história repleta de lições e que, vale lembrar, ainda não acabou.
– Tiago Sampaio.
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