A prejudicial SINERGIA entre o cinema e os quadrinhos

 


Essa semana fomos pegos (não tão) de surpresa pela notícia de que, depois de falecer nas páginas de Amazing Spider-Man #26, Kamala Khan ressuscitará como uma mutante em uma nova HQ solo chamada Ms. Marvel: The New Mutant.

É normal histórias em quadrinhos introduzirem alguns detalhes para se aproximar mais de suas adaptações pra mídia externa, como o cinema, como uma forma de parecer mais familiar para o público casual, mas dessa vez a origem INTEIRA de uma personagem está sendo afetada pra se adequar a uma adaptação que mal chegou (a série da Ms. Marvel no Universo Cinematográfico da Marvel estreou há pouco mais de 1 ano no Disney+).

Antes, é importante explicar pra quem ainda não sabe (ou seja, não segue a gente no Instagram pra acompanhar nossos Gibicionários) O QUE É SINERGIA:

Vamos de exemplos pra entender melhor?

Começando por um exemplo inofensivo, e que na real fez muito sentido pro personagem, foi o retorno de Sam Wilson como Capitão América. Sam assumiu o manto pela primeira vez em 2014 durante a fase da Nova Marvel, mas voltou a ser o Falcão depois de se decepcionar com o país da bandeira que carregava no peito. Com Anthony Mackie se tornando o Capitão América oficial do UCM, a Marvel Comics fez o personagem retornar ao posto de Capitão nas HQs também, mas de forma orgânica e bem construída, sem desfazer tudo que o personagem passou anteriormente.

Sam Wilson, o Símbolo da Verdade dos quadrinhos e o novo Capitão América dos cinemas, interpretado por Anthony Mackie.

Mas as vezes a sinergia ignora completamente os status quo (que já expliquei o que é em outro artigo) definido como está sendo com os Thunderbolts. Durante a saga Reinado Sombrio, Wilson Fisk, o Rei do Crime, era o prefeito de Nova York. Ele usou os Thunderbolts, que era uma equipe de vilões, pra fazer os seus trabalhos sujos. No final da saga, Luke Cage se tornou o prefeito, e ele encarregou Clint Barton, o Gavião Arqueiro, de limpar o nome da equipe, que agora era composta apenas de super-heróis de verdade.

Os Thunderbolts heróicos liderados pelo Gavião Arqueiro

Com o vindouro filme dos Thunderbolts no UCM, a Marvel Comics anunciou uma nova HQ da equipe descartando completamente essa formação de heróis e colocando de novo anti-heróis no lugar (tirando o Shang Chi, que ninguém sabe ainda o que tá fazendo ali).

A nova formação dos Thunderbolts nos quadrinhos imita quase completamente a formação do futuro filme da equipe do UCM.

E falando no Shang Chi, até ele foi afetado. Desde sua criação o personagem era do nível urbano, mas depois de sua introdução no UCM com uma nova mitologia com dragões e os dez anéis mágicos, esse novo aspecto também foi jogado para a versão dos quadrinhos.

'Shang Chi and the Ten Rings (2022)' #1

Agora, se isso aproxima os quadrinhos do público casual, por que isso é prejudicial?

Porque não funciona.

Não é problema os filmes e séries se afastarem do que é feito dos quadrinhos desde que o material seja bom, mas fazer com que os quadrinhos se adequem com as adaptações faz as histórias perderem autonomia, além de acomodar leitores que são apenas hipotéticos. É uma estratégia pra facilitar a leitura de quem (talvez) se interesse nos quadrinhos pelos filmes, o que acontece quase nunca a não ser que a pessoa já esteja acostumada a ler. Logo, é uma estratégia que estressa quem lê fielmente essas histórias, voltada pra um público que, TALVEZ, se interesse por essas histórias novas.

Talvez funcionasse se Marvel Studios adotasse a nova estratégia que a DC Studios criou, de instigar o público dos filmes da DC a procurar os quadrinhos que não só inspiraram os filmes, mas também os que se aproximam da atmosfera dele. Geralmente essas indicações aparecem no final dos trailers dos filmes da DC, como The Flash e Besouro Azul.

"Leia onde tudo começou"

Já basta nós, que acompanhamos esses personagens e suas histórias por tanto tempo, termos que lidar com adaptações que estragam a percepção do público, como por exemplo o Cavaleiro das Trevas de Christopher Nolan e Christian Bale, que até hoje interfere no que as pessoas acham que é o Batman. Ninguém merece ter que engolir mudanças forçadas, mal escritas, principalmente as que possivelmente serão definitivas, como a da Ms. Marvel, em prol de um público que não vai apreciar de fato o material.

Enfim, infelizmente vai continuar acontecendo. Kamala Khan não será a última vítima do UCM, mas acredito que enquanto o público que realmente acompanha quadrinhos rejeitar essas mudanças, elas não vão durar muito tempo.


– Tiago Sampaio

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