A luta dos X-Men é (e sempre foi) um movimento político.


Os X-Men são, mesmo depois de tantos anos nas mãos de outro estúdio no cinema e sendo minados nos quadrinhos por isso, uma das equipes mais importantes da Marvel. E isso muito se deve a forma como as histórias da equipe conversam com o público.

Stan Lee disse em 2013 que “Queria que eles fossem diferentes. O principal objetivo dos X-Men foi tentar ser uma história anti-preconceito, mostrar que o bem e o mal existem dentro da mesma pessoa.” Se isso era realmente a intenção dele em 1963 ou se ele só se aproveitou posteriormente de uma alegoria coincidental, a verdade é que hoje, 60 anos depois, o grupo de heróis foi canal para diversas histórias sobre preconceito e diferenças.

Por incrível que pareça, isso não é de conhecimento geral. Algumas pessoas parecem apagar certas histórias da mente (se é que elas leram ou prestaram atenção no que assistiram). Com a estreia iminente de X-Men '97 no Disney+, trazendo consigo Morfo não binário e um discurso na internet de que vão "estragar" a série clássica, acho importante lembrarmos como há anos a mutandade traz histórias "lacradoras".

Diversos conservadores choraram na internet quando o primeiro trailer de X-Men '97 saiu, clamando que a Disney estaria estragando a equipe forçando ideologias.

Se alguma ideologia foi forçada nos X-Men, isso aconteceu em 1975, quando Len Wein lançou Giant Size X-Men #1 e introduziu a Segunda Gênese dos mutantes onde, ao invés de uma equipe formada inteiramente de pessoas brancas, tínhamos um time diverso formado por heróis de diversas origens.

Capa de 'Giant Size X-Men' #1, HQ que ditou décadas de histórias dos mutantes no Universo Marvel.

Nas mãos de Chris Claremont, os leitores acompanharam as aventuras de negros (africanos e latinos), indígenas e até russos, mesmo numa época em que os estadunidenses eram bem hostis com eles.

Em "Deus Ama, O Homem Mata", o argumento de Claremont está em William Stryker, um reverendo, ex-militar, figura religiosa e política que usa da Bíblia fora de contexto para incentivar ataques aos mutantes. A Graphic Novel de 1982 faz diversos paralelos, inclusive, com o período de presidência de Jair Messias Bolsonaro aqui no Brasil, onde pretextos religiosos também foram usados para justificar falas e atos fascistas.

Magneto, o inimigo mais antigo dos X-Men, se une aos alunos de Charles Xavier contra os fiéis de Stryker.

 A própria série animada de 1992, entre aventuras espaciais e confrontos com dinossauros, fala sobre o sentimento anti-mutante da população e já começa com os pais da Jubileu preocupados ao descobrirem a natureza da filha, contemplando até arrependimento de ter adotado a menina antes dela ser acolhida pelo Instituto Xavier e acompanhar as aventuras dos X-Men.

No Episódio 1 (A Noite dos Sentinelas), Jubileu foge de casa e é perseguida por um Sentinela, robô policial especializado em caçar mutantes.

A trilogia de filmes dos anos 2000 também não escapa: o primeiro filme já se inicia com Jean Grey em um debate contra o senador Robert Kelly defendendo a existência de mutantes como indivíduos, e o segundo filme traz uma dinâmica que, propositalmente, foi escrita pelo diretor Bryan Singer (um homem gay) para ilustrar um cenário de se assumir para os pais. Nesse contexto, se assumindo como mutante para uma família que "ama, mas não aceita". Até o terceiro filme traz a tona uma cura mutante, que também faz paralelo a uma suposta cura gay que tivemos propaganda há não muito tempo.

Posteriormente, inspirado na repercussão da alegoria feita através do Homem de Gelo pelo diretor Bryan Singer em 'X-Men 2' (2003), o personagem foi canonizado gay nos quadrinhos em 2014.

As páginas dos X-Men também foram pioneiras em estampar um casamento homoafetivo! O herói Estrela Polar foi revelado gay em 1992 e, 20 anos depois, 2012, se casou com o civil Kyle em Astonishing X-Men #51. Inclusive, essa união ocorreu ainda antes da legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos, que só ocorreu no ano de 2015.

O casamento de Jean-Paul Beaubier e Kyle Jinadu foi o destaque da edição 51 de 'Surpreendentes X-Men' e chegou no Brasil em 2013 na revista 'X-Men Extra' #136.1

Até hoje os X-Men continuam celebrando toda forma de amar, canonizando a história pensada por Claremont na criação do herói Noturno, que é filho das vilãs Mística e Sina, que depois de 50 anos finalmente vão ter sua união oficializada em uma edição especial de casamento do selo Marvel Voices.

Capa de 'X-men: THE WEDDING SPECIAL' que lança em Maio de 2024.

Apesar de todas as alegorias LGBT e os incontáveis espelhos que faz com o movimento negro, o editorial de quadrinhos dos X-Men, talvez por ser composto por homens brancos, falha em incluir novos personagens de cor e utilizar os que já existem como peças importantes da equipe de forma a explorar suas origens, partindo de meras referências ao movimento a histórias que mostram a luta que personagens negros passam além da mutantade. Claro, a Tempestade existe, mas exceções só comprovam regras. Além das raízes africanas da personagem serem mais exploradas apenas em séries que não os títulos principais dos X-Men, recentemente a personagem passa por um retrocesso de identidade perdendo o visual que os fãs negros tanto se identificaram para voltar a ter um visual de cabelos lisos, em prol de nostalgia. Mas isso é assunto pra outro artigo no futuro...

Visual da Tempestade durante "Queda do X" (à esquerda) e na próxima fase dos mutantes na Marvel Comics (à direita), abandonando o cabelo texturizado que os fãs tanto aclamaram nos últimos anos em prol do retorno do moicano liso que a heroína usava nos anos 90.

No fim, mesmo com essa problemática, a equipe ainda assim é pioneira na conversa sobre diversidade nos quadrinhos e um ótimo meio de comunicar sobre preconceito através de super-heróis que podem ser, ao mesmo tempo que super-maneiros, personagens complexos que vão muito além de seres poderosos em uniformes e triângulos amorosos heterossexuais. Há meio século, e não só nos quadrinhos, os X-Men são essencialmente um movimento político dentro do Universo Marvel que luta pelos direitos mutantes dentro da humanidade, lutando também pela humanidade como super-heróis.

Além de X-Men '97 chegando ao Disney+ dia 20 de Março, Deadpool & Wolverine chega aos cinemas em Julho e promete arrombar a porta que os mutantes já vem batendo no Universo Cinematográfico da Marvel há um tempo, o que significa que, em breve, os X-Men estão de volta aos cinemas pra irritar ainda mais quem não gosta de diversidade no mundo nerd.

"À mim, meus X-Men!"

– Tiago Sampaio.

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