DOCTOR WHO: O FIM DE UM RECOMEÇO | REVIEW QUE NINGUÉM PEDIU


Antes de mais nada, já aviso que essa é uma das raras reviews desse blog que contém uma pitada de SPOILERS, então é recomendável que você já tenha assistido a série pra ler. Caso não, leia por sua conta e risco sabendo que discorro sobre algumas das surpresas da trama no decorrer dessa resenha.

Chegamos ao fim do começo desta nova era de Doctor Who no Disney+. A temporada se inicia com dois episódios muito diferentes entre si: Space Babies e The Devil's Chord. O primeiro sendo um daqueles de “presos em uma nave” de bebês fofinhos e o segundo um pouco mais megalomaníaco com o destaque de Jinkx Monsoon, uma drag queen americana, fazendo O Maestro e a uma presença desperdiçada dos Beatles. Se você quiser saber mais sobre as nossas impressões sobre estes episódios, clique aqui. 

Como é bom ser fã de uma série que com tão pouco consegue compor narrativas incríveis que nos fazem não querer sair da cadeira. Em Boom, ou devo dizer o melhor episódio da temporada, Steven Moffat, ex-showrunner da série, nos agracia ao escrever utilizando-se praticamente só um cenário com uma história de (literalmente) se prender o fôlego em que ao pisar onde não devia, o Doutor fica precisa ficar imóvel em uma plataforma acionada por movimento que, na verdade, é uma bomba extremamente letal para o planeta em que ele pousou que ainda por cima, está passando por uma guerra interminável. 

O encantador deste episódio também são os coadjuvantes carismáticos apresentados: uma menina sendo cuidada pelo seu pai solo que é um soldado e outros dois soldados, sendo um deles a atriz já confirmada como nova companion para a segunda temporada, Varada Sethu (Cinta Kaz em Andor). Fazendo um retrato sobre a existência humana em em tempos de guerra, o episódio traz reflexões dentro da sociedade contemporânea que abordam assuntos como necropolítica, luto e fé de forma simples e forte, porém sem serem banalizados. A interpretação magistral de Ncuti Gatwa é notável mostrando toda a tensão e urgência que é necessitada sem ele ao menos estar se movimentando!

Varada Sethu, inclusive, já apareceu nessa temporada no episódio 3, "Boom", como a personagem Mundy.

Por motivos de logística, a temporada começou a ser gravada antes que a agenda do nosso 15° doutor fosse completamente liberada, então, infelizmente, temos dois episódios que consideramos como light doctor, onde a presença do doutor é ínfima ou nula. Em 73 jardas (ou 66,7 metros), temos o primeiro que Millie Gibson, nossa Ruby Sunday, gravou e, dito isso, já é possível comprovar a competência da atriz de transmitir toda a solidão que esta história demandava mesmo com essa relação na vida real mal estivesse sendo construída. O episódio cria uma situação que flerta com o sobrenatural e nos deixa apreensivos com a progressão que se sucede pois fica cada vez mais triste e com a sensação de ser insolúvel o que ela está passando. No entanto, após tentativas fracassadas de tentar entender o que está acontecendo, o plano que a companion bola é sim muito inteligente e reverbera no finale, mesmo que, acabamos não recebendo uma explicação concreta de quem ou do que estava causando toda a problemática.

Daqui, tire suas próprias conclusões, ou você irá achar horrível essa falta de respostas ou quem sabe achar um charme não precisar saber o porquê de tudo… Afinal, o importante é a mensagem que o episódio passa. Inicialmente, eu fiquei incomodada com essa falta de porquês mas o revisitando após a finalização da temporada, torna-se realmente charmoso este clima de mistério criado em relação ao que está por vir. É um episódio muito sólido e a atriz realmente o sustenta, mesmo sendo inevitável lembrar que é um episódio a menos sem a presença do nosso ilustre Doutor.

Com essa pegada, temos o quinto episódio que é o mais Black Mirror que Doctor Who já fez. Não pela narrativa especificamente, afinal Doctor Who por si só tem das histórias mais simples até as mais megalomaníacas, mas aqui temos principalmente a estética e tecnologia bem similar ao primeiro episódio da terceira temporada nomeado Queda livre por sua crítica contundente. Dot and Bubble em si é um episódio… chato. Bem, talvez não seja essa a palavra. Aqui ao invés de sermos guiados pelos Doutor e Ruby, precisamos acompanhar uma outra personagem: Lindy Pepper Bean (Callie Cooke), que precisa seguir os comandos do Doutor e sua dupla para conseguir lutar contra as lesmas monstruosas que estão se alimentando de pessoas em sua cidade. Simplesmente, essa garota é intragável e isso fica cada vez mais nítido conforme o episódio se desenrola. Chega a ser alarmante quando nos damos conta da motivação das pequenas ações que são plantadas ao percebemos que, na verdade, as lesmas estavam fazendo um grande favor. No mais, não é um episódio sensacional, mas a crítica social que carrega é essencial e definitivamente, vale a pena assisti-lo novamente para pescar essas reações que tomam um novo ponto de vista quanto a tudo que acontece. Novamente, o que brilha é a performance de Gatwa que fascina por sua franqueza que transpassa para o personagem.     

Lindy Pepper Bean e sua grande personalidade

Preciso de um momento para falar especialmente de Rogue. Com um timing que encaixou perfeitamente, este episódio trouxe referências diretas à série Bridgerton, produzida pela Shondaland. A ambientação aqui ficou linda trazendo de certa forma uma paródia desse subgênero do romance com agradáveis subversões dos costumes da época. Contamos também com a adorável presença de Jonathan Groff, recentemente vencedor do Tony Awards, como o personagem-título do episódio que apresenta-se maravilhosamente bem nesta figura de passado misterioso e absolutamente cativante. 

Escrito por Kate Herron e Briony Redman (Loki), aqui tendo mais liberdade e tranquilidade de explorar a sexualidade dos personagens, a química torna-se instantânea entre o Doutor e o Ladino (sim, carinhosamente homenageando Dungeons & Dragons) a ponto de ser palpável. Eu fiquei surpresa porque realmente não esperava apresentarem um novo personagem como interesse romântico. Além disso, os dois juntos produziram momentos icônicos que dão muita vontade de reassistir várias vezes, deixando em aberto a possibilidade de Groff retornar futuramente no papel (tomara). Quanto aos vilões, gostei muito do conceito dos homens-pássaro e acho que a aparição deles poderia se tornar até mais recorrente, tendo um plot-twist que realmente me surpreendeu. Caso alguém que esteja lendo me conheça, como fã de romances de época e musicais, nem preciso dizer que esse foi o meu episódio favorito da temporada. 

Durante a temporada houve várias teorias sobre quem poderia ser a mãe da ruby, quem é a Mrs Flood e quem era a mulher que apareceu em todos os episódios (Susan Twist). Para responder essa pergunta é necessário retornar à série clássica no arco Pyramids of Mars e reapresentar o vilão Sutekh, apelidado carinhosamente pelos fãs de Sussu, o Deus da Morte. O redesign que fizeram de sua figura ficou muito bom, inclusive. Como derrotar o Deus da Morte, aquele que espera? Aqui, o roteiro peca pois acaba parecendo rápido demais a resolução em si, porém, sendo um pouco misteriosa, a instituição Fofoca e uma colher que salvaram o universo. E realmente, só os memes que foram produzidos já compensaram o episódio. Russell T Davies criou uma lore onde aquele que espera realmente o estava… em cima da Tardis, o que gerou um movimento que além dos memes, o fandom revisitar a memória e se perguntar como este conceito se encaixaria em algumas emboscadas que a já foram submetidas à Cabine azul. Óbvio, nem tudo tem como realmente encaixar, mas é engraçado. 

Sussu, em forma de cachorro.

Partindo para outro ponto… Apesar de Ruby (Millie Gibson) estar confirmada na próxima temporada, houve um grande momento de “despedida de companion” que foi uma cena LINDA, porém há um sentimento de que não passamos tempo o suficiente com ela para sentir o peso que este momento merecia ter. Pelo menos, podemos dizer que a Ruby foi premiada de ter um final feliz e redondo (até demais). A temporada finaliza com ela descobrindo quem são seus pais biológicos e indo viver sua vida agora tranquila sem este grande fantasma que a perseguia. Mas, sendo sincera, eu realmente espero que ainda mexam neste plot quanto a paternidade da Ruby, pois alguns fatos ficaram mal explicados ainda como a reação que O Maestro tem ao confrontá-la. 

A justificativa dada para explicar todo o porquê do mistério envolvendo a mãe da Ruby e as habilidades que a garota tem são simples em um nível que parece preguiçoso da parte do Russell T Davies caso ele não retome nas próximas temporadas. Mesmo que a mensagem passada seja bonita, ela deixa uma sombra da grande expectativa criada durante todos os episódios. Ainda assim, é a cara do RTD dar como justificativa a maravilhosidade da pequenez humana.

A dupla, Ruby e o Doutor.

Geralmente, não é algo que me entristece o sistema de cerca de oito episódios mas, neste caso, a falta de mais aventuras realmente é mais sentida pelo costume de que se tinha de uma média de 13 episódios. Com esta quantidade diminuída, há uma sensação de “um querer a mais” maior do que o natural justamente por ter dado tão certo a dupla Gibson e Gatwa e a química construída entre eles (um prato cheio para o universo expandido pois é confirmado que há consideráveis lacunas de tempo de um episódio para o outro). O carisma e a atuação de Ncuti é tão espetacular que até quando o episódio deixa a desejar em algum outro ponto o ator compensa com sua performance. Definitivamente, eu já tenho o sentimento de saudades com a Era Gatwa como um todo pois sei que não vou ter o volume de histórias o suficiente para apreciar.    

O que posso afirmar é que Ncuti Gatwa usa a oportunidade de ser O Doutor para apresentar uma faceta que simplesmente não pode e não consegue esconder seus sentimentos tornando-se visivelmente mais emocional. Quando é para gritar, ele grita. E quando é para chorar, ele chora. Ainda assim, temos a essência de sempre seguir em frente, não importa o quão doloroso algo seja. Gatwa possui uma sensibilidade imensa e é perceptível o cuidado em que ele tem de imprimir sua personalidade no personagem compreendendo todo o legado da série. Sou uma fã que ainda vai seguir a jornada de assistir a série clássica (1963-1989), porém do nono em diante, posso dizer que o 15° Doutor já é uma das minhas encarnações favoritas.   

VEREDITO: ★★★★½ 

A temporada é uma boa porta de entrada para a franquia, apresentando de forma muito didática os principais conceitos da série. Gatwa e Gibson são uma ótima dupla e espero que eles possam fazer mais coisas juntos dentro de Doctor Who. Gerou-se uma expectativa enorme para se responder às grandes perguntas deixadas no desfecho que acabou sendo comum demais e com poucas explicações definidas. Ainda assim, como um todo são episódios bem distintos entre si que se complementam e formam uma temporada muito sólida que deixa com esse gostinho de quero mais


- Luisa De Luca






Comentários

Postagens mais visitadas