Como o streaming venceu a "guerra contra a pirataria"?

Se você tem o costume de consumir conteúdo estrangeiro, seja cinema, televisão, música ou teatro, com certeza já usou de meios não oficiais para ter acesso a obras que não tenham chegado ao Brasil, principalmente obras antigas de, pelo menos, uma década atrás. Conforme avançamos no tempo, mais difícil é de encontrar "meios alternativos" de assistir filmes, séries e peças, que não estejam disponíveis de forma oficial em uma das dúzias de serviços de streaming que temos hoje.

Claro que no mundo inteiro pirataria é crime. Arte é propriedade de quem produz, e ela pode ser disponibilizada gratuitamente ou vendida. No caso de arte comercializada, os "meios alternativos" são roubo de propriedade e, por isso, uma violação aos direitos autorais

Infelizmente, nem toda arte chega nas nossas mãos de forma oficial (mesmo quando estamos dispostos a pagar por ela) e essas aquisições eram ainda mais difícil em meados dos anos 2000, onde não tínhamos completo acesso a DVDs, CDs, além de que nem todo filme era lançado nos cinemas do Brasil, ou então havia anos de diferença até que chegasse às terras tupiniquins. Na época, as pessoas recorriam aos camelôs e seus DVDs. Com 10 reais, você voltava com pelo menos 3 discos (de filme ou jogos de Playstation 2) para casa. Foi o ápice da pirataria — por isso se viam muitas propagandas anti-feiras e camelódromos na televisão e em cópias originais alugadas nas (também falecidas e descansem em paz) locadoras.

(Foto: João Wainer/Folha Imagem)
Fonte: Portal Prudentino

O tempo foi passando e na década de 2010 o uso da internet estava democratizado cada vez mais, e se você tem mais de 20 anos hoje, pegou a época de assistir séries na internet ou dos famosos torrents. Era muito fácil, com uma simples pesquisa, encontrar um site com absolutamente qualquer coisa que você estivesse procurando, disponível prontamente ou baixando em algumas horas.

Isso não é mais uma realidade. Sites piratas que não são berço de vírus são muito difíceis de encontrar, e a maior parte dos torrents estão indisponíveis. Nessa década de 2020, há o advento dos "Drives". A juventude se ajuda nas redes sociais compartilhando esses drives, muitas vezes montados pelos próprios, com séries e filmes difíceis de achar oficialmente, mas circula muito menos.

Como isso aconteceu? Por que a cada década, mesmo com o acesso a internet cada vez mais fácil, o acesso a mídias está dificultado? A resposta é o streaming.

Você já deve ter percebido como o mercado do streaming cresce todo ano. Se em 2010 só se falava de Netflix, em 2024 temos Disney+, MAX, Apple TV, Paramount+... todos atrelados a pelo menos um estúdio de Hollywood, o que acabou matando primeiro o mercado de DVDs oficiais; A Disney, por exemplo, cessou completamente a venda de mídias físicas de filmes e séries aqui no Brasil em prol do crescimento da adesão ao Disney+ e as outras distribuidoras estão começando a seguir pelo mesmo caminho.

É inegável que o acesso através de um serviço de streaming é infinitamente mais fácil do que um meio alternativo. Abriu, escolheu, assistiu! Sem anúncios (bom, pelo menos era assim até pouco tempo), sem espera para terminar de baixar, sem procuras incessantes por uma opção dublada ou com a legenda sincronizada... Foi questão de tempo até o público preferir assinar um serviço que no início da década era muito em conta ao invés de ter todo um trabalho pra aproveitar uma série.

Agora, com os preços aumentando excessivamente, o público tem voltado a ir atrás de meios alternativos e percebeu que não há mais torrents, porque é simples: se não tinha gente baixando, não tinha gente semeando os dados na internet. Se não tem semente dos downloads, não há frutos para serem baixados. Se não há frutos, não há como disponibilizar em qualquer outro meio. Mesmo quando acha, provavelmente não está dublado, e até legenda está difícil visto que os legendeiros também foram exterminados com o streaming.

Quando se fala de pirataria hoje, além dos já citados Drives, tem também o Stremio, que pode até enganar com seus add-ons que puxam os filmes e séries de torrents, mas que também matou as sementes com seus downloads facilitados. Como a utilização do próprio stremio pode ser um pouco complicada em primeiro contato, muita gente acaba só desistindo.

Vale lembrar que o Stremio é um aplicativo legal e não há problema em utilizá-lo, mas o conteúdo disponibilizado nele que é protegido por direitos autorais (lançamentos de cinema, por exemplo) é 100% pirataria, mas se mantém lá enquanto os detentores legais não o denunciarem para a Ancine (Agência Nacional do Cinema). Segundo o artigo 184 do Código Penal, a pena para quem for pego praticando pirataria pode variar de um a quatro anos de prisão, além de multas. [FONTE: UOL]

A Era dos torrents consistia em um ecossistema próprio, que ironicamente causou menos dano à Hollywood que os serviços de streaming, que também matou a Televisão e desacostumou completamente o telespectador a assistir qualquer pedaço de mídia em ritmos que não o da insaciável sede por "consumir" cada vez mais. Não há mais paciência para episódios semanais, por exemplo, sendo essa ainda a melhor forma de se produzir televisão mesmo nas plataformas digitais (por fomentar discussões que crescem a audiência e Ibope da série). Da mesma forma, não há nem mais séries com temporadas de 20 e poucos episódios. Quantos seriados recentes (principalmente no Disney+) não tem desenvolvimentos completamente corridos por causa da necessidade de se contentar com míseros 6 a 8 episódios? Até séries animadas foram atingidas, e tínhamos desenhos de +50 episódios até os anos 2000!

Não tem como culpar o consumidor. Foi um grande efeito dominó que provavelmente foi completamente planejado pela indústria do streaming. Você disponibiliza um bom catálogo por um bom preço, o tempo passa, e você piora seu catálogo e o seu preço quando todo mundo já é refém do seu produto.

Sim, o streaming veio como a solução da pirataria e, se continuasse no mesmo caminho em que começou em 2010, seria a melhor forma de assistir audiovisual na atualidade. Não à toa, quando chegou, estremeceu a forma como o cinema funciona de uma forma que até hoje não se recuperou direito (assunto pra outro dia), mas não vale mais o valor que cobra e não se importa de melhorar porque sabe que, tirando a "competição amigável" que a indústria capitalista sempre prevê, não há real ameaça.


Texto por Tiago Samps.

Revisão por Luísa de Luca e Emilly Lois.

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