Ponderações sobre a opinião popular de enredos repetidos (que não existem) em Divertida Mente.

 

Divertida Mente 2 estreou nos cinemas do país no fim de junho e, surpreendentemente, demorou 4 meses para chegar no streaming brasileiro (mesmo que já tenha sido lançado digitalmente na gringa há tempos, enquanto ainda estava em exibição nos cinemas). Imagina: deixar um filme no cinema pelo máximo de tempo sem “facilitar” sua disponibilidade… Uma tática que parece estranha agora, mas que um dia já foi natural. Isso inclusive fez com que a animação batesse tanto o recorde de bilheteria da história do cinema, quanto o recorde de visualizações do Disney+ nessa última semana!

Enfim, fiz uma review que ninguém pediu aqui no blog na época, lá me atentei em não entrar a fundo na trama para não revelar algumas surpresas (que para mim, ao menos, foram). Nas semanas que se seguiram até o momento presente, ouvi muito sobre as involuções e “enredos repetidos” que, a meu ver, não se sustentam sob alguma apuração.

Uma das minhas surpresas no filme foi o sutil sub-enredo da Alegria com o sistema de convicções que cria o senso de si da Riley.

Meu primeiro pensamento ao ouvir que o senso de si da Riley era “eu sou uma pessoa legal” foi “que coisa estranha de se achar”. Logo depois, a Alegria junto das outras emoções pegam diversas lembranças e jogam no fundo da memória, sinalizando que são coisas que “não vale a pena lembrar”.

Admito, ao ver isso pensei “uai, isso não é basicamente o mesmo do primeiro filme?”, e de certa forma é. Ela, Alegria, continua com a mentalidade distorcida de “o que é melhor para Riley”, que a Ansiedade — uma das novas emoções desse filme — está lá para espelhar. Mas, o que no primeiro filme era um egocentrismo, aqui a Alegria não está monopolizando os tipos de memória que a Riley pode ter, ela inclusive joga fora memórias dela mesma e, apesar de demorar para incluir todo mundo, é imediatamente um trabalho em conjunto, ninguém se opõe. E então desse garimpo surge o raso senso de si.

Fora da cabeça dela, é esse senso de si que faz Riley achar que precisa ser maleável e mudar conforme o grupo social que ela está inserida (ou quer se inserir), o que é o palco perfeito para dominação da Ansiedade. Afinal, se a formação das convicções através de todos os tipos de memórias já tivesse acontecido, ela não teria chance de dominar completamente.

Inclusive, a Ansiedade nunca teria uma chance sequer de tocar no painel, e o conflito entre elas duas seria outro, se a Alegria ainda fosse a do primeiro filme. Nunca que aquele ser insuportável questionaria se o centro de controle era o seu lugar, e a abertura da Alegria para as novas emoções é o que causa o conflito inteiro do filme e a expulsão da turma original.

Me parece, que de alguma forma, há um foco estranho nos passos desse filme, ao invés do enredo propriamente dito. Isso porque, colocando ambos os filmes lado a lado, tem MUITAS batidas similares, até CTRL C + CTRL V, mas o enredo consegue diferenciar o suficiente para fazer as batidas únicas, que levam a consequências diferentes.

Exemplificando, olhando só para as movimentações de narrativa em outros filmes: a trilogia De Volta Para o Futuro é composta por 3 filmes idênticos, Indiana Jones não tem importância para a trama, Avatar: O Caminho da Água é uma cópia do primeiro (e o primeiro uma cópia de Pocahontas), e assim vai. Essas são todas críticas que eu já ouvi, e algumas são bem famosas, podendo serem feitas para outros materiais também. Até sou forçado a defender The Acolyte, cujo penúltimo episódio recebeu muitos comentários de que “nada novo aconteceu”, nem sei como se pode chegar a tal conclusão.

E, ei! É um exercício divertido, até inofensivo, fazer essas comparações (tanto que essa similaridade é um ponto criticado na review de Divertida Mente 2), mas batidas não são o enredo, elas fazem parte dele e não devem ser olhadas no vácuo, pois isso é perder o foco de uma história. Segundo o dicionário Michaelis, enredo é a “sucessão de fatos ou de incidentes que constituem o fio condutor de uma obra literária ou de um filme; entrecho, trama, urdidura”. Nenhuma experiência é única, isso não faz de nós menos únicos, toda boa história é uma soma que te surpreende.

Não gosto de acreditar que a capacidade das pessoas de interpretação esteja defeituosa, tem muita culpa para ser distribuída, e não tem interpretação certa ou errada… Argh, talvez eu só não queira chamar ninguém de burro por conta de um filme para criança…


Texto de Gabriel Bezerra

Revisão por: Clara Silvestre e Emilly Lois

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