A AGENDA ANTI-REVOLUÇÃO DE HOLLYWOOD

 Você com certeza já simpatizou com o antagonista de algum filme ou série que você assistiu. Às vezes só porque a personalidade do vilão ou o carisma do próprio intérprete são tamanhas a ponto de ficar muito difícil de nutrir qualquer tipo de desgosto independente das ATROCIDADES cometidas por eles, como o caso do Loki (Tom Hiddleston) ou, mais recente, a Agatha Harkness (Kathryn Hahn). O maior dos exemplos com certeza é Anakin Skywalker, o Darth Vader, que mesmo antes de ter sua trágica história de origem já contava com uma legião de fãs que admiravam sua imponência.

Mas acontece, às vezes, de surgir aquela pulga atrás da orelha que faz a gente de perguntar: “Peraí… O “vilão” não tá certo?”. Talvez o maior exemplo de vilão identificável seja o Erik Killmonger, do filme Pantera Negra (2018) de Ryan Coogler. O personagem interpretado por Michael B. Jordan busca se tornar o rei de Wakanda — uma nação africana beneficiada não apenas por um mineral raro e único, mas também por não ter sido colonizado — e distribuir todo o avanço para os povos negros colonizados ao redor do mundo. Uma motivação bem altruísta, certo? Resumindo de forma traduzida, é compartilhar com seus iguais o seu privilégio. Agora, como isso é antagonizado no filme? Simples, fazendo de Killmonger um genocida. Mostre-o matando seus parceiros, sua namorada, e até o seu próprio povo, e mais importante, ameace revidar a colonização tratando os colonizadores (os brancos, os reais protagonistas da nossa sociedade) com o mesmo tratamento dado aos colonizados (genocídio).

Não que genocídio seja algo positivo em qualquer circunstância, mas definitivamente não é problematizado quando a mesma indústria (Hollywood) faz filmes de guerra onde os heróis atacam o oriente médio ou a América Latina… Chamamos isso de Propaganda Militar.

Michael B. Jordan como Erik Killmonger no filme Pantera Negra (2018)

Não vou entrar no mérito de que transformar homens brancos — exceto caso sejam russos (os quais são todos comunistas, na concepção hollywoodiana) ou alemães (a maioria nazista, seguindo o mesmo raciocínio) — em vilões em filmes protagonizados por personagens que não se encaixam nessa mesma categoria, caem imediatamente na caixinha da militância e da lacração, então vamos nos ater apenas a demonização de figuras, atitudes e movimentos revolucionários.

Depois do Killmonger, a Marvel Studios fez de novo não um, mas vários vilões com uma base revolucionária a ser demonizada para o público infantil (ou adultos alienados).

Thanos, por exemplo, que nos quadrinhos é só um Hitler espacial, com foco em eliminar os fracos do universo, em Vingadores: Guerra Infinita (2018) traz a tona um problema presente também na realidade: a má distribuição dos recursos no mundo. Claro que a única solução que o vilão encontrou foi matar metade dos seres vivos do mundo ao invés de, simplesmente, usar o poder ilimitado das joias do infinito para redistribuir os recursos, ou simplesmente produzir mais. Inclusive, sequer os Vingadores pensaram nessa possibilidade, porque esses heróis comerciais não estavam lutando apenas com o genocida Thanos, mas também com a ideia de revolução contra o capitalismo e de redistribuição de recursos.

Thanos mostrando como seu planeta natal, Titã, era próspero antes da escassez de seus recursos naturais.
Vingadores: Guerra Infinita (2018)

Na série Falcão e o Soldado Invernal (2021), a série nos apresenta os Apátridas, um grupo de pessoas que acaba nos contextualizando o estado que o mundo ficou depois do estalo do Thanos: sem fronteiras. A humanidade estava unida; não havia conflitos mundiais. No fim, realmente, os recursos estavam divididos. Com o retorno da metade genocidada da população, os Apátridas temiam que o mundo voltasse a ser governado por esse povo de antes. A galera capitalista e colonialista. Nos primeiros episódios da série, Sam e Bucky são enviados pelo governo americano para interceptar um grupo de Apátridas que estava contrabandeando… vacina.

Os Apátridas abrigavam pessoas sem teto, distribuíam alimentos aos famintos… Por que eles eram os vilões? Porque um deles matou um cidadão do nada e por nada, mais a frente. Eles são instáveis. Revolucionários são instáveis. A esquerda é instável.

Karli Morgenthau (Erin Kellyman) é a líder dos Apátridas em Falcão e o Soldado Invernal (2021). O fato da personagem ser mulher e jovem também não é coincidência, visto que o Apátrida, Karl Morgenthau, é um homem adulto nos quadrinhos do Capitão América. A mudança auxilia na narrativa de que as pautas levantadas por jovens mulheres são perigosas.

O pior é o fato dessas revelações genocidas acontecerem sempre do nada, depois dos ideais dos personagens já estarem estabelecidos. Às vezes parece uma exigência de alguém acima do roteirista para fazer o personagem menos identificável, outras vezes parece planejado especialmente para este mesmo objetivo.

Vale lembrar que estes filmes tem um público infantil muito forte (inclusive majoritário) e a Marvel Studios (uma subsidiária da Disney) sabe disso. Seus filmes são feitos pensando nisso, desde o design dos personagens serem atrativos o suficiente para vender brinquedo, até o tipo de história contada que vá agradar fãs de diversas faixas etárias, a quantidade de pessoas de cor e mulheres no elenco… e claro, o tipo de mensagem que querem passar.

Tanto que foi estranhamente novo quando Fallout, do Amazon Prime Video, fez uma crítica tão forte a como o corporativismo lucra com a guerra com uma série literalmente financiada por uma das maiores corporações de monopólio da atualidade.

Fallout (2024) apresenta um futuro distópico devastado por uma guerra nuclear causada 100% por uma indústria que visava lucrar com as consequências do fim do mundo.

Usamos de exemplo filmes e séries da Marvel, mas não é estranho filmes, livros e jogos colocarem personagens com objetivos que adaptam bons ideais para narrativas. É inegável que Killmonger, Thanos e os Apátridas estavam errados, pois os fins não justificam os meios. No entanto, não é errado refletir sobre os pontos de partida de suas ideias.

Nos finais de Pantera Negra e de Falcão e o Soldado Invernal, ao menos, os heróis refletem sobre os objetivos dos vilões e admitem haver um ponto correto ali. As portas de Wakanda, inclusive, são abertas ao fim do filme, e a série termina com o Capitão América discursando (apesar de um discurso bem fraco) sobre unificação. No entanto, ambos produtos tem um roteirista negro (Ryan Coogler e Malcolm Spellman, respectivamente). Não há em Vingadores: Guerra Infinita ou em Ultimato, escritos por um time completamente branco, reflexão em relação à redistribuição de recursos. Apenas a necessidade de manter o mundo funcionando exatamente como ele existe. Esta é a mensagem para qual estes heróis comerciais servem.

“Você precisa fazer melhor, Senador.”
Falcão e o Soldado Invernal, Episódio 6: “Um Mundo, Um Povo”

Isso significa que não curtimos esses filmes? Longe disso! Assistimos, gostamos e até conversamos sobre esses filmes, séries e personagens no nosso POD•ish•CAST. Mas é importante aprendermos a identificar certos tipos de narrativa, pois somos todos suscetíveis a propaganda, mas é muito mais fácil de resistir a alienação quando identificamos as tentativas escondidas no que consumimos.

Texto por Tiago Samps.

Revisão de Emilly Lois

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