Ainda Estou Aqui: Justiça Tardia | REVIEW QUE NINGUÉM PEDIU

 

Ditadura Militar no Brasil, apesar de não ter nem 50 anos de que terminou, não é um assunto nacionalmente discutido com muito afinco. Houveram tentativas de se trazer à tona, mas como as eleições de 2018 deixaram claro, não é memória viva. Então é sempre bom quando temos um ambiente em que filmes tratando do tema podem ser distribuídos e aclamados (mesmo que seu lançamento esteja em um sanduíche com outros 2 filmes nacionais).

Ainda Estou Aqui é o mais recente filme do renomado Walter Salles (Central do Brasil), em uma produção conjunta nacional e estrangeira, e baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. Contando a história da família Paiva um pouco antes e depois do sequestro de Rubens Paiva (Selton Mello) pelos militares no auge da Ditadura, mais especificamente, de sua esposa Eunice (Fernanda Torres).

O maior burburinho que o filme causou em sua passagem pelos festivais da Europa é o quão possível é de render um Oscar para nossas terras tupiniquins, mas essa não é a proposta e ao assistir é difícil pensar em algo tão insignificante como uma estatueta dourada.

O material promocional lista somente 3 atores: Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro (um desses não é igual aos outros), e todos os três fazem um ótimo trabalho. Mello, em seu pouco tempo de tela, cria uma presença que assombra o resto do filme. Torres é a estrela, passando por uma gama de emoções e mostrando uma vulnerabilidade tangível. Porém, a maior parte do elenco da família Paiva, os filhos, acabam sendo deixados de fora da discussão, mas todas as crianças dão suporte à performance de Torres, e sem elas e o ótimo trabalho delas, o filme seria bem mais fraco, então aqui vai seu reconhecimento: Valentina Herszage, Luiza Kosovski, Barbara Luz, Cora Mora e Guilherme Silveira.

O roteiro certeiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega combinados com a direção primorosa de Walter Salles fazem o filme passar voando. O exagero e a descrença que são buracos fáceis de se cair contando uma história com uma bagagem emocional dessa são evitados com uma construção e execução bastante natural, notando a mudança ao mostrar a vida como ela era. A direção de arte e figurinos assentam o filme para a época em que se passa e deixa tudo verossímil, até a cidade que imagino ter sido feita com computação gráfica está impecável.

A fotografia e iluminação elevam as performances, além de proporcionar a audiência a rara habilidade de enxergar o que se passa em uma cena à noite, a composição e posicionamento gera imagens lindas e evocativas. A trilha sonora original por Warren Ellis é simples: um piano com cordas acompanhando em momentos pontuais, mas só por ser simples não significa que não é eficaz, só aparecendo 1h adentro. Mas a trilha que mais ocupa o filme são as músicas pré-existentes, em sua maioria de artistas exilados no período da Ditadura.

Os poucos pontos que o filmes peca são um tanto superficiais. Um personagem específico, o "soldado bonzinho" que acaba por parecer uma inclusão mandatória, não encaixando dentro da trama. E a outra é mais uma questão fora do filme em si, mas da escolha dessa história em específico para contar. Mesmo que tenha sido executada muito bem, deixa uma pulga atrás da orelha de que a realidade dessa família não é a do brasileiro comum da época... Um bom acompanhamento (chame de DLC) é o documentário Retratos de Identificação.

Que esse filme reacenda as discussões sobre esse período sombrio na história do nosso país. É fácil esquecer, principalmente nós que não vivenciamos, é fácil achar que não pode acontecer de novo, é fácil achar que ainda não acontece de outras formas. Os responsáveis pelos terrores causados naqueles anos em sua maioria continuam sem consequência, mas a dor e as cicatrizes ainda estão aqui.

VEREDITO: ★★★★½

Por conta da estratégia curiosa de fazer os filmes nacionais competirem entre si, entendo deixar esse filme passar e assistir outro, mas caso decida assistir na telona, é recompensador só pela fotografia, junte a isso poder prestigiar um filme nacional muito bom, e é uma recomendação.

Comentários

Postagens mais visitadas