Como Warner Bros. atrasa a indústria de jogos?
Há muito a se dizer sobre o estado atual da indústria de videogames. Demissões em massa, fechamento de estúdios, jogos live service que só querem fazer você gastar dinheiro... Resumindo: a ganância típica do capitalismo. Nos últimos anos, vimos muitas empresas caindo na armadilha de jogos como serviço e tendo seus funcionários pagando o preço quando falham. Podemos citar exemplos do Xbox, da PlayStation (Concord), Ubisoft (Skull and Bones), EA (talvez os que mais insistam nesse erro, com diversos exemplos como Star Wars Battlefront e FIFA), e por fim, a Warner Bros.
Nessa semana foi anunciado que a Warner está encerrando os estúdios Monolith Productions (Terra-Média), Player First Games (Multiversus) e WB Games San Diego. E com o fechamento da Monolith, veio de brinde o cancelamento do jogo da Mulher Maravilha, anunciado durante o The Game Awards de 2021 e que, até então, mal tinha algum update oficial sobre o estado do seu desenvolvimento. O cancelamento não foi uma surpresa, já que relatos recentes revelaram que o jogo estava sofrendo de problemas severos na produção, com o desenvolvimento sendo completamente reiniciado no início de 2024, mais de 100 milhões de dólares gastos e "há anos de estar pronto". O diretor do jogo também foi substituído e rumores de que o produto estaria indo em direção ao tal formato live service surgiram com a descoberta de contratações de profissionais da área para o time de desenvolvimento, indicando que o jogo teria ao menos um recurso de serviço. Podemos ligar tudo isso ao fato de que, em declaração aos acionistas, a Warner estaria focando 100% em jogos de serviço.
MultiVersus é outro caso do desespero da Warner quando o assunto é perseguir o dinheiro. O jogo do gênero platform fighter (luta de plataforma) com personagens de várias franquias do seu monopólio é, em teoria, uma boa ideia, mas que é muito mal executada. A princípio o jogo lançou em acesso antecipado em julho de 2022, já incluindo um passe de batalha e outros recursos de monetização e chegou a receber atualizações de temporada até ser fechado em 2023, para então ter seu lançamento oficial em 2024. O relançamento foi muito criticado pelos jogadores por sua gameplay lenta e monetização ainda mais agressiva, até que a Warner decidiu puxar a tomada e encerrar o jogo depois de 5 temporadas e menos de 1 ano de seu lançamento oficial. Ironicamente, a 5ª temporada melhorou vários aspectos relacionados à gameplay, mas já era tarde para o estúdio que já tinha perdido 90% da sua base de jogadores.
A Rocksteady, outra desenvolvedora ligada à Warner, que revolucionou o gênero de jogos de super-heróis com a trilogia Batman Arkham, adaptando de forma brilhante a galeria de vilões do morcego e influenciou diversos jogos com a mecânica de combate freeflow planejou se distanciar das propriedades da DC Comics e começou a trabalhar em um jogo de quebra cabeças multiplayer com o codinome Stones. Infelizmente, não foi adiante, com a Warner ordenando que eles trabalhassem em um jogo multiplayer baseado no Esquadrão Suicida, que anteriormente estava sendo trabalhado pela WB Montreal (que também foi forçada a fazer um jogo multiplayer, o Gotham Knights). Com a falta de experiência do time em jogos multiplayer e live service, Suicide Squad: Kill The Justice League, a sequência da saga Arkham, teve um desenvolvimento conturbado que levou à criação de várias ideias que foram subsequentemente cortadas da versão final. Uma versão do jogo, por exemplo, era focado em combate corpo a corpo, enquanto noutra os personagens teriam veículos próprios. O caos do desenvolvimento foi tanto que os fundadores Jamie Walker e Sefton Hill deixaram o estúdio meses antes do lançamento, que aconteceu com uma recepção abaixo do esperado (para a Warner, porque todo mundo viu a tragédia de longe) e deu um prejuízo de 200 milhões de dólares.
Hoje em dia a Rocksteady tem parte da equipe em pré produção de um novo jogo (supostamente baseado em Batman do Futuro), enquanto a outra está auxiliando a Avalanche Software com a versão do diretor de Hogwarts Legacy, que inclusive foi o único sucesso da Warner recentemente, e um dos pouquíssimos jogos atuais do conglomerado que se ateve ao clássico single-player. Inclusive, o homem responsável por esse sucesso (David Haddad) foi demitido da WB por não estar alinhado aos objetivos da empresa, então não esperem mais jogos nesse padrão de qualidade de nenhuma subsidiária da Warner tão cedo.
Essa visão torpe e focada na monetização da Warner como conglomerado não é novidade e sequer se atém à indústria dos videogames. Desde que David Zaslav assumiu, na mescla com a Discovery, o CEO ficou famoso por suas decisões que dão desgosto a todos. Ele é famoso por, entre outras coisas, cancelar o filme da Batgirl (com o Michael Keaton como Batman e os diretores de Bad Boys Até o Fim!) que estava praticamente concluído e guardar nos cofres da Warner o filme animado Coyote vs Acme com roteiro do James Gunn, mesmo pronto.
Zaslav é famoso por não entender das diferentes mídias da empresa do qual é presidente, afinal, falando de videogames, todos os estúdios que trabalharam em jogos live service (com exceção da Epic com Fortnite, que foi e ainda tem sido completamente fora da curva) nos últimos anos falharam um após o outro.
A mesma história se repete diversas vezes, com lideranças insatisfeitas com o rumo que a Warner os força a tomar e abandonando o barco — como os fundadores da própria Rocksteady que após sairem, fundaram a Hundred Star e hoje trabalham com a Microsoft, e os da Monolith que saíram em 2021 e fundaram a Cliffhanger Games, na EA, e inclusive desenvolvem o jogo do Pantera Negra para a Marvel.
Precisam(os) entender que a qualidade não vem do talento de um estúdio, e sim as pessoas que o compõem. Trazer estúdios que não têm experiencia em uma área contra a vontade deles só leva ao desestímulo no desenvolvimento e faz os desenvolvedores buscarem outras distribuidoras para trabalhar.
O pior é que a Warner ainda patenteou o — ótimo — Sistema Nêmesis, que fez dos jogos da Terra-Média tão únicos e retornaria no jogo da Mulher Maravilha, e a patente dura até 2026. Com o fechamento da Monolith, é improvável que um sistema tão focado no single-player e tão amado por tantos jogadores seja utilizado em algum outro jogo da distribuidora focada no multiplayer.
A Warner de David Zaslav está literalmente atrasando a indústria ao negar o uso de um sistema inovador que poderia ser muito bem explorado em diversos jogos, matando estúdios que empregavam desenvolvedores talentosos, e alimentando uma cultura já saturada que só atrapalha o mercado e irrita os jogadores em prol de estratégias focadas exclusivamente em uma monetização efetiva, sem pensar em como uma variedade maior de gêneros e sistemas que agradem diferentes públicos alvos (como a Microsoft trabalha no Xbox) vai inevitavelmente trazer dinheiro de diversas direções diferentes.
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David Zaslav |
É difícil ter expectativas para os próximos jogos da Rocksteady ou WB Montreal, sabendo da visão que a Warner tem para suas produções, e que esses estúdios definitivamente não são mais o que eram 10 anos atrás. Não se surpreendam se a sequência de Hogwarts Legacy (que pelas vendas do primeiro jogo já é um fato) abandonar o que deu certo e vir como um live-service.
A Warner se recusa a aprender com os erros por ser liderada por pessoas que não conhecem a(s) indústria(s) em que estão inseridos, cozinhando fielmente de acordo com a receita perfeita para o desastre.
Texto por: Marcos Cruz e Tiago Samps
Revisão de Tiago Samps e Luisa De Luca
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