TODO SUPER-HERÓI É WOKE (desde os anos 60)!
Vivemos em um período em que tudo que permeia a nossa sociedade tem prestado mais atenção em questões de diversidade, o que obviamente é bom, quando feita da forma certa. Afinal, arte espelha a realidade, e a realidade é diversa, e devem existir histórias para todos os públicos. E isso nunca ditou a qualidade das coisas. Existem produções constituídas de um elenco completamente branco que são ótimas, e outras que focam tanto em estampar questões raciais, de gênero e sexualidade que esquecem, de fato, de escreverem boas histórias.
Recentemente, por diversos fatores ao redor do mundo – como a estranha ascensão de uma juventude conservadora aqui no Brasil e a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos –, cresce o discurso sobre a tal agenda ou cultura Woke (do inglês, "Desperto"), que se refere a uma suposta conspiração contemporânea para se livrar da cultura e das pessoas brancas e heterossexuais. Uma crença utópica sobre algum tipo de eugenia da diversidade (como se isso fosse possível).
Sempre que alguma produção nova no meio pop (nerd e geek, principalmente) é anunciada, podem ter certeza: tem quem vá gostar, tem quem vai odiar, e tem a terceira via, "parece bom, mas tomara que não tenha lacração!"
O cômico é que a qualidade do filme é a última coisa que importa para esse público "anti-lacração" (se lê a “direita” política), que está muito mais preocupado com a presença de personagens negros, mulheres ou LGBTQIA+ do que com uma boa história.
De fato, sequer uma boa adaptação eles esperam, porque dificilmente conhecem os personagens que tanto dizem gostar. Essa mesma bolha tem caído em cima do próximo filme do Superman, da DC Studios, com o discurso de que o lacrador do James Gunn – que dirigiu a trilogia de sucesso que foi Guardiões da Galáxia – vai estragar o personagem, que o filme vai flopar, e que é um retrocesso do que Zack Snyder fez com o personagem de O Homem de Aço (2012) até a sua Liga da Justiça (2021).
O que é engraçado, porque o Super-Homem interpretado pelo Henry Cavill nesse período pouco traduzia do sentido que o personagem traz nos quadrinhos, sendo um personagem muito mais violento, assassino e com ideais muito mais voltados a si do que para a humanidade. Não atoa essa versão do personagem é ainda a preferida da direita, do ladinho dos outros grandes exemplos de heroísmo como Capitão Pátria e Omni-Man (e eu não vejo a hora deles perceberem o arco de redenção que a série tem feito com esse desde a 2ª temporada).
Descrição do Superman, criado por Jerry Siegel e Joe Shuster, na sua primeiríssima aparição no gibi Action Comics #1, publicada em 1938. |
"Super-Homem! Campeão dos oprimidos, a maravilha física que jurou devotar a sua existência em ajudar os necessitados!"
Então sim, por mais que na última década histórias mais diversas sejam publicadas, desde os anos 40 com o primeiro super-herói o gênero tem como objetivo denunciar opressão, promover verdade, justiça e inserir mensagens sobre bondade e esperança na cabeça das crianças — o principal e mais importante público alvo dessas histórias todo esse tempo.
Podemos argumentar sobre diversas falhas em como o próprio Superman já foi escrito ao longo dos seus 80 anos de existência, mas da mesma forma que a sociedade se desconstrói com o tempo, a cultura a nossa volta nos acompanha.
Os X-Men hoje em dia são mais do que nunca uma alegoria sobre preconceito, mas foi em 1983 que "Deus Ama, O Homem Mata" foi publicado, denunciado as práticas tendenciosas do televangelismo e um preconceito claramente alusivo ao racismo.
O Quarteto Fantástico é uma história sobre a importância da família acima de uma ficção-científica. Sempre foi. É, assim como o Superman, histórias que por trás dos bonecos se batendo falam sobre como o amor destrói a iniquidade — e se isso não soa “woke” para você, eu não sei o que mais soaria.
Mesmo quando a história tem uma moral trágica, ela AINDA traz um ensinamento progressista o suficiente para qualquer um com a capacidade de pensar. Ou você realmente acha que o Justiceiro é considerado certo por suas ações? O personagem reflete traumas não processados e é a personificação de reações NÃO saudáveis e suas consequências nada positivas na vida de Frank Castle e na sociedade a sua volta conforme o “Justiceiro” fica mais popular.
Batman? Trauma puro também. Mas já discutimos isso num vídeo lá no YouTube, além de mais diversos exemplos de personagens complexos que por trás da porradaria falam sobre saúde mental.
Quando histórias com profundidade são contadas, inevitavelmente elas espelham a realidade. E sinto vos informar, o mundo real é absurdamente woke. Lide com isso, ou viva no seu mundinho recluso, consumindo apenas o que converse especificamente contigo. Porque pode ter certeza que não há um “genocídio branco” acontecendo. Principalmente em Hollywood.
Texto por Tiago Samps
Revisão de Clara Silvestre
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