Os Caras Malvados 2: O arroz com feijão não saiu de moda | REVIEW QUE NINGUÉM PEDIU


Os Caras Malvados 2 começa de forma genial. Temos um breve flashback de quando o Sr. Lobo roubou seu antigo carro esportivo extremamente caro e legal e — como revelado nos quadrinhos — 600 cavalos de potência (explodido no final do primeiro filme), seguido por um corte para os dias atuais, em que ele está dirigindo um mero Kwid (que, para quem não entende de carros, descobri recentemente que tem cerca de 60 cavalos). Após esse contraste entre os dias de glória e o carrinho que mal anda 10 metros sem se desmontar temos, então, os Caras Malvados na luta por conseguirem um emprego. É uma cena até que bem longa, alternando entre quatro dos cinco personagens principais, cada um em sua própria entrevista de emprego, sendo rejeitados por motivos diversos: o Lobo por ter assaltado o local para que estava fazendo a entrevista anteriormente, o Tubarão e o Piranha por falta de qualificações profissionais e a Tarântula, apesar de muito bem qualificada, por falta de atividade profissional durante alguns anos em seu currículo.



Isso é uma forma extremamente didática de se abordar, em um filme infantil, uma questão que mesmo alguns adultos têm dificuldade de compreender: a ressocialização de ex-presidiários. Apesar de tentarem todos os dias conseguir um emprego, são rejeitados por diversos motivos e de formas extremamente humilhantes, como no caso do Lobo, que recebeu a promessa de uma ligação com uma vaga para ele e, ao retornar à sala do entrevistador, o encontrou colocando seu currículo em uma fragmentadora de papel. Além disso, com a aparição de um novo criminoso anônimo, o Delinquente Fantasma, a chefe de polícia (agora comissária) aparece nos noticiários levantando suspeita sobre os Caras Malvados e defendendo que criminosos não mudam, mesmo que o primeiro filme tenha terminado com os próprios se entregando para pagar por suas ações passadas. ABSOLUTE CINEMA a forma como esse filme simplesmente inseriu um ACAB (sigla para All Cops Are Bastards, em português 'Todos os Policiais são Bastardos') logo depois de quase nos fazer simpatizar pela comissária de polícia com seu discurso “emocionante” ao prender os Caras Malvados. Estão certos, pois eu nunca confiei nessa mulher.


O problema é que isso começa a se perder em menos de dez minutos de filme. Vendo a situação em que se encontram — perderam tudo e estão morando de aluguel — e sem qualquer perspectiva de um futuro melhor em breve, o Lobo decide ir até a comissária de polícia para ajudá-la a resolver o caso do Delinquente Fantasma, esperando que, assim, consiga limpar sua imagem e a de seus amigos para que a sociedade finalmente lhes dê sua tão merecida segunda chance. Aqui eu precisei respirar fundo e lembrar que, no fim do dia, é um filme de um grande estúdio estadunidense mesmo. Errada estava eu em criar expectativas! Isso até o filme nos conduzir de novo ao estado de ACAB quando, ao cair em uma armadilha, os Caras Malvados tentam se explicar para a comissária, mas ela não acredita neles e coloca todos os policiais do estado atrás deles. E voltamos à crítica sobre a forma da sociedade lidar com a ressocialização de ex-presidiários. Até que… não mais? Isso fica bem montanha-russa mesmo, acontece. Infelizmente, a montanha-russa acaba no ponto da assimilação ao sistema e os Caras Malvados passam a trabalhar para a instituição que os oprime desde o início do filme anterior. Mas ainda iremos chegar lá, vamos com calma!


Críticas sociais à parte, o filme tem ótimas piadas e diálogos muito bem escritos dando um sentimento de nostalgia dos filmes que eu assistia quando criança, carregados de piadas de duplo sentido que eu só entenderia dez anos depois quando fosse reassistir. E dei risadas muito genuínas, coisa que raramente faço assistindo filme! Os roteiristas desse filme estão de parabéns: (SPOILER A SEGUIR) a cena do Piranha olhando pro letreiro de cachorro-quente e falando que uma salsicha daquele tamanho “só com muita mostarda” ficou em looping na minha cabeça por algumas horas. E o que mais achei legal é que esse tipo de cena não entrou gratuitamente ali, apenas pelas risadas, já que momentos depois o mesmo food truck se torna o veículo de fuga deles. Incrível. Genial.


Outra coisa que me chamou bastante a atenção foi o estilo de animação. Indo na mesma pegada de outras animações recentes, como os filmes do Aranhaverso, A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas e O Gato de Botas 2, Os Caras Malvados 2 também incorpora elementos em 2D ao filme. A forma como isso foi feito me deixou genuinamente muito feliz. As cenas em que os personagens estão passando por alguma emoção intensa, como susto, choque e desespero, são animadas desse modo com um estilo bem anime. Uma pena que esse recurso foi tão pouco utilizado, porque combinou muito com o filme e ficou extremamente natural. Além disso, a animação 2D volta a ser utilizada em alguns cenários aqui e ali. Ficou charmoso, mas me parece que tiveram medo de arriscar demais. Pois caso algum dos animadores desse filme acompanhe o Nerdish, eu imploro: arrisquem demais sim! Essas cenas foram extremamente carismáticas e deram um diferencial muito positivo à animação 3D clássica do primeiro filme.


Voltando um pouco à história do filme, me pegou um pouco o fato de os Caras Malvados serem amigos da GOVERNADORA e estarem passando tanto perrengue. Essa mulher nem pra lançar uma política social que possa ajudar eles. Eu tô de olho em você, Diane! E sabe quem mais tá de olho? O Lobo, que adorou apanhar de uma mulher forte e ficou caidinho — de forma literal até demais — por ela. Muito boa essa cena, inclusive. Me deixou muito chocada o quanto o Lobo e a Diane tem química. E por falar em química e gostar de apanhar de mulher, gosto muito do desenrolar do relacionamento do Cobra com a Sina (o corvo). Quanto mais essa mulher trai os Caras Malvados e apunhala o Cobra pelas costas, mais ele se apaixona. Chega ao ponto de fazerem websexo pela escuta que estavam usando. Essa cena alugou um condomínio inteiro na minha cabeça. A reação do Piranha ouvindo tudo isso pela escuta também me quebrou completamente. Acho que, no fim, é sobre isso. Um filme sobre gostar de apanhar de mulher. Representatividade importa.



Aliás, a cena inteira do roubo do relógio é arte em sua forma mais pura. Além do websexo do Cobra com a Sina, também tem a ótima cena do Lobo fingindo ser um cowboy poderosíssimo chamado Beto Lobato. No início dessa cena, me veio à cabeça na mesma hora o cowboy de Mulholland Drive. De verdade, não sei se foi uma das referências usadas pela equipe do filme mas gosto de acreditar que sim. Mas o nome ter sido traduzido para Beto Lobato foi ainda mais genial. Os tradutores meio que arrasaram nessa. Nessa e no filme inteiro, um beijo para equipe de localização. 


Agora, temos um ponto negativo. Com a volta dos Caras Malvados ao crime para uma última missão, o Lobo tem uma crise de identidade pensando no quão melhor era a qualidade de vida deles antes de largarem o crime para tentar uma vida honesta. Aqui poderia entrar, de novo, o assunto da ressocialização de ex-presidiários. Isso se o lance de crise de identidade já não fosse o assunto do primeiro filme inteirinho que ele passa tentando resolver... Complexo desenvolver tanto essa questão para, no filme seguinte, voltarmos à temática de crise de identidade. O Lobo tá mais borderline que eu. Ele precisa muito de terapia. Enfim, por sorte essa nova crise foi algo bem rápido e já voltamos à programação normal.


Por programação normal eu quero, sim, dizer que a Diane teve sua identidade secreta exposta, a polícia se volta imediatamente contra ela (pois, de novo, ACAB) e mais uma vez um herdeiro bilionário psicopata sai ganhando como se não tivesse cometido algumas das maiores atrocidades já vistas pela sociedade. Ou não vistas, já que nunca descobrem que o canalha do Marmelada cometeu crimes por conta própria. Ele sai impune! Impune e maromba! Canalha. Enquanto isso a coitada (mas nem tanto) da repórter sendo a profissional mais mal remunerada desse filme inteiro, porque ela faz plantão 24h por dia, todos os dias da semana. Rica deveria estar ela, que não tem um dia de folga desde o filme anterior.



Agora, próximo ao final da história do filme, vocês podem achar interessante que mal mencionei duas das três vilãs. É porque elas prometeram muito e entregaram pouquíssimo. De verdade mesmo. A Felina foi quem mais prometeu e quem menos entregou. Ok, ela cometeu altas maldades, traiu as próprias amigas (namoradas? Meu headcanon é que elas são um trisal sáfico, lamento), quase destruiu o mundo e tal. Mas ela tem pouquíssimo carisma. A história de vilã dela é fraca. E sinto que pecaram bastante em tentar dar uma motivação pra ela, em vez de só deixar ela ser do mal porque sim. Ela não precisava de uma história tão xoxinha, deixem a mulher ter uma falha de caráter sem motivo! A Javalina é só bem apagadinha mesmo. O que é muito triste, porque eu queria muito ver o molho latino dela brilhando. Das três, a que mais se destaca é a Sina mesmo. Felizmente não apenas por seu relacionamento com o Cobra — apesar de isso ser um fator bem grande pra personagem ter tanto destaque —, mas ela é carismática, tem falas icônicas, principalmente quando está traindo os Caras Malvados pela quinquagésima vez, e ainda resgata seu homem ao final do filme. Diva. Mas, fora ela, sinto que esse filme, tanto quanto o primeiro, tem um problema mais geral em relação a personagens femininas. Isso é, inclusive, retratado logo na cena de abertura, com o flashback do carro. Aquela era a primeira missão da Tarântula. E todos sabemos desde o primeiro filme que ela é inteligente, sagaz e super qualificada com qualquer coisa envolvendo computadores. A menina é um GÊNIO! E mesmo assim, boa parte da primeira missão dela consiste nos outros Caras Malvados duvidando do potencial dela e fazendo comentários bem no estilo “será que essa menina aguenta as mesmas coisas que nós, homens extremamente másculos e poderosos???”.



E essa questão dela como a única mulher do grupo é, inclusive, algo que notei já no primeiro filme. E isso fez muito mais sentido ao ler o quadrinho que nos deram de brinde na cabine, pois ela simplesmente não existe lá (nota: só ganhamos o primeiro quadrinho, não tive a oportunidade de ler os demais ainda). Uma boa parte das histórias que inspiraram o primeiro filme, como o gato na árvore e invadir um local para libertar animais (no filme, um laboratório que experimentava em hamsters; no quadrinho, um canil) não conta com a participação da Tarântula. Aliás, pelo que pude pesquisar, eventualmente entra na equipe o SENHOR Tarântula. E, de verdade, acho que com a escolha (acertada) de incluir mais personagens femininas à trama, deveria vir um pouco mais de tato ao escrever suas histórias. Ainda mais em um filme que conta com um trio completamente feminino de vilãs, cuja participação foi essencial para dar andamento à trama. A melhor personagem feminina, em questão de história, ainda é Diane. Mas mesmo a governadora ficou apagada em diversos momentos, como quando foram todos para o espaço e ela ficou sumida por várias cenas, aparecendo somente ao final para salvar o Lobo. Ela não teve grande papel no objetivo do grupo de salvar o mundo, mesmo tendo tentado bastante. Ela deu uma surra nas vilãs, mas ainda assim foi nocauteada por um dardo com sonífero e mal conseguiu subir no foguete. Depois, nem temos mais notícias dela no compartimento de carga do foguete, sendo que os Caras Malvados, acordados e conscientes, estavam quase congelando até a morte pela falta de trajes espaciais. Deu a impressão que ou esqueceram que a personagem estava ali até momentos antes do filme acabar, ou havia alguma cena dela antes de sua aparição “surpresa” que foi cortada.


Enfim, o filme acaba encerrando quase todos os tópicos que se dispôs a abrir, mas sinto que o final do primeiro filme foi ainda melhor, pois deu aos Caras Malvados a chance de redenção antes de ir para o óbvio. Apesar disso, sinto que o final do segundo filme deu um bom desfecho à história deles, pois era o caminho natural a ser seguido após os eventos de ambos os filmes. Tenho minhas críticas à forma como passaram a trabalhar para o governo, sob o comando da mesma comissária que os oprimiu e os impediu de construir uma vida nova por tanto tempo, mesmo com o início do filme indicando que não se deve confiar na polícia. Não queria que o final seguisse mesmo para o caminho da assimilação e da redenção da polícia, mas era a decisão óbvia e a que mais casou com tudo o que foi construído até o momento e fico até que satisfeita com isso. Temos fortes indícios de um terceiro filme a caminho, devido à cena pós créditos com o início da história de origem do Marmelada, mas espero muito que o terceiro filme foque em outros personagens e deixe o núcleo principal da forma como está.



VEREDITO: ★★★½


Os Caras Malvados 2 segue uma receita até que básica de filmes de animação infantis, mas consegue executá-la extremamente bem. Apesar de não inovar muito, entrega uma sensação de satisfação ao sair do cinema, assim como almoçar um prato de arroz com feijão, e às vezes é disso que precisamos mesmo!


Texto de June 

Revisado por Clara Silvestre e Luisa De Luca

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