Explicando Scott Pilgrim... como um todo.
Eu achei que depois de um Podcast inteiro sobre Scott Pilgrim e uma review sobre a série eu não precisaria vir aqui, principalmente pra explicar algo que eu achava que era óbvio. Mas no fim, enquanto Scott Pilgrim se lançar na mídia a cada 10 anos, uma pra cada geração (quadrinho original em 2004, filme em 2010 e o anime agora em 2023), é inevitável que apareça um novo público que tenha dificuldade de entender a obra.
Tá, mas sobre o que você tá falando? Você se pergunta.
Seguinte, com o lançamento do novo anime de Scott Pilgrim, muitos novos espectadores apareceram com aqueles velhos discursos de "o Scott é imaturo", "a Ramona é escrota" como se tudo isso fosse uma novidade... Não só não é como é a intenção da história.
Apesar da atmosfera metalinguística de Scott Pilgrim se passar claramente em um mundo cujas leis aplicáveis são baseadas em videogames, todos os personagens ali são humanos, e como todo mundo no mundo real, são falhos. Todos os personagens principais de Scott Pilgrim começam de um ponto onde são completos imbecis e vemos eles amadurecerem conforme a história avança.
Tudo bem que o filme (o clássico e BOM filme de Scott Pilgrim) é curto demais pra adaptar o desenvolvimento que acontece na história original, e essa é uma das razões que ele vai ficar de fora da análise de hoje. Caso você conheça a franquia apenas por essa obra, provavelmente sua visão do amadurecimento dos personagens não faz jus ao real desenvolvimento deles (visto que até o final do longa é diferente do material original por ter sido produzido antes do quadrinho ser finalizado).
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Pôster promocional de 'Scott Pilgrim vs. The World' (2010) |
Nos quadrinhos de Bryan Lee O'Malley, acompanhamos exclusivamente a preciosa vidinha de Scott Pilgrim. Conhecemos um cara de 23 anos imaturo, desempregado e sem perspectiva alguma de vida que "namorava" (ou passava o tempo) com uma garota de 17 anos.
Depois de se apaixonar por Ramona Flowers (que também não é flor que se cheire), Scott naturalmente toma um rumo na sua vida. Consegue um emprego, começa a criar responsabilidade emocional e um certo comprometimento. Até seus amigos, que no início da trama demonstravam desprezo por Scott, percebem e destacam a sua evolução.
Ramona, que é o ponta pé pra mudança de rumo na vida de Scott, apesar de parecer ter mais direcionamento na sua vida (lê-se ter emprego e moradia), também não tinha rumo algum emocionalmente e se mantinha fugindo de absolutamente todo e qualquer sinal de comprometimento que precisasse ter. Quando se trata de responsabilidade emocional, Ramona conseguia ter ainda menos que Scott, e só depois de conhecê-lo que reconheceu isso.
No final, os dois decidem juntos descobrir e retrabalhar os seus problemas, reconhecendo as péssimas escolhas que fizeram e as formas que magoaram tantas pessoas em seus passados.
Uma história humana, certo? Não me parece difícil de entender.
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"We Try Again" – diz Ramona para Scott em 'Scott Pilgrim Finest Hour'. |
Agora, o anime lançou e surpreendeu todo mundo com uma abordagem completamente diferente dos quadrinhos: o primeiro episódio foi uma recriação exata e perfeita do volume 1 da HQ "Scott Pilgrim's Precious Little Life". Mas no fim, ao lutar contra Mathew Pattel (o primeiro ex-namorado "do mal" da Ramona), Scott é derrotado e a partir daí a história do anime segue por um caminho completamente original, focado na Ramona e nela mesma. Agora, com ela sozinha, enfrentando o seu passado, suas ações e as pessoas que ela magoou, podemos ver que seus ex-namorados não são tão "do mal" assim.
Muita gente reclamou dessa mudança, e admito que também senti estranheza por ser tão diferente do material original, mas assim que cheguei nos últimos episódios notei que não se tratava de uma "adaptação", nem mesmo uma "reimaginação". Scott Pilgrim Takes Off (que, apesar de ter sido lançada no Brasil como Scott Pilgrim: A Série podia muito bem ter sido traduzida pra Scott Pilgrim Fora de Cena) é simplesmente uma continuação dos quadrinhos, da mesmíssima forma que a série de Watchmen é uma sequência (não oficial) da história de Alan Moore.
A série não reescreve por cima do quadrinho original, mas retoma exatamente de onde parou, dá uma continuação e conclusão realista (baseada DE NOVO em relacionamentos reais) e satisfatória para a jornada do Scott e da Ramona juntos. A partir do lindo recurso da viagem no tempo, cria uma nova linha do tempo que possibilita novas histórias a serem contadas.
Eu não sei como tanta gente não entende a genialidade dentro de toda essa engrenagem do Bryan Lee O'Malley, mas eu espero que ela não pare agora (mesmo que eu precise esperar mais uma década pra outra continuação).
– Tiago Sampaio
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