Há espaço para mistérios nas mídias no Século XXI?

 

Muitas vezes uma série de TV/ Streaming termina sua temporada com coisas a resolver e perguntas sem respostas. Os filmes, às vezes, também fazem isso, mesmo sendo menos frequente. Atualmente, perguntas sem respostas nas mídias são consideradas furos de roteiro, uma falta de criatividade dos roteiristas ou até uma conspiração dos criadores contra a audiência. E ainda assim, em alguns dos casos seja verdade, a pergunta é mais importante que a resposta.

É difícil localizar exatamente quando se tornou mainstream analisar uma mídia procurando qualquer percebida “falha” e chamar de furo. Mas se um gráfico for feito, a prática cresceu com o canal CinemaSins, cujo objetivo é esse somente, somando ao crescente imediatismo na sociedade do século atual (todas as gerações influenciadas por ele, de um jeito ou de outro), chegamos ao ponto de analisar episódios únicos de uma série serializada e julgar sua relevância de imediato.

“Relevância da arte” é um conceito interessante. Filler é o termo usado coloquialmente para um “episódio que achei irrelevante porque não avança a história de maneira nenhuma”, o que, mesmo se for verdade, e daí? Não gostou do episódio? Tem opiniões a respeito dele? Tudo bem, mas a relevância de uma história nada tem a ver com a audiência.

Ao assistir qualquer coisa hoje em dia, caímos na armadilha de decidir pelo autor o que é relevante. “Quais enredos devem ir para frente”, “quais perguntas devem ser respondidas”, às vezes o autor só quer, e esse é um conceito muito dramático, fazer a audiência pensar. Não nas perguntas, mas na história.

Página da imbd que mostra o episódio 8 da segunda temporada de Ruptura com a pior nota da série: 6,7. Ao lado um comentário sobre o episódio: “Pior episódio da série de longe. Levou 1h para adicionar um pequeno ponto no enredo à história, podia ter sido feito em 5 minutos no segmento de outro episódio enquanto se mantinha no tema principal da série até agora. Longo e chato e 90% filler, espero que o resto da temporada se revele mais frutífero”.

Aqui no blog, já discutimos alguns sintomas irmãos desse problema: A Cultura de Vazamentos (saber as respostas antes das perguntas) e a Não aceitação do fim de uma história (rejeição de qualquer ponto em aberto), e provavelmente não será a última vez que falaremos disso, já que ainda não falamos sobre como mais e mais as histórias estão trazendo seu subtexto para o texto e a exposição se tornando cada vez mais utilizada para tapar “possíveis furos”.

É divertido cutucar erros em uma história, mas sempre há mais que isso. Por vezes, o mistério deve continuar sem solução, outras, nem há um mistério para ser revelado, só um que você gostaria que fosse.

David Lynch era conhecido, dentre muitas coisas, por se recusar a responder perguntas que ele considerava irrelevantes nas suas obras. As perguntas nunca tiveram a intenção de serem respondidas. É diferente de JJ Abrams, por exemplo, que faz perguntas com toda intenção de respondê-las, sem uma resposta. Por conta da existência de JJ Abrams, devemos julgar David Lynch?

DL: -Acredite ou não, Eraserhead é o meu filme mais espiritual.
En: -Elabora sobre isso.
DL: -Não.

Texto por Gabriel Bezerra

Revisão de Clara Silvestre e Emilly Lois

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