Afinal, qual a graça de um musical?
Na última semana, eu (prazer, Tiago Samps!) tive a oportunidade de assistir ao espetáculo Mamma Mia no Teatro Riachuelo do Rio de Janeiro. Ainda teremos a oportunidade de conversar sobre o show em si em uma Review (que ninguém pediu), mas me chamou muita atenção as risadas em todo momento que os personagens começam a cantar, e nos comentários durante e pós a obra onde afirmavam 1) não fazer sentido a cantoria e 2) ser tosco.
Eu definitivamente não discordo sobre ser tosco. Inclusive, acho até que a graça de Mamma Mia (tanto na peça, quanto no filme no qual se inspira) é ser tosco. Até porque seria bem difícil criar uma história séria quando a sua proposta é que 100% das músicas sejam sucessos da banda sueca dos anos 70, Abba.
O ponto é que, até mesmo os musicais que não são “toscos”, carregam este estigma da música começar “do nada”, e ainda há quem diga que corta o clima do filme, atrapalhando a história… Mas em um musical, as músicas por si só já são a história.
Vamos por partes: a música é uma forma de expressar sentimentos. Do rap, ao pop, ao rock, há músicas compostas para liberar sentimentos como tristezas, enquanto outras canções evocam alegrias tão fortes que são impossíveis de não serem dançadas ou cantaroladas. Exceto caso você não goste de MÚSICA em si, você definitivamente já descontou seu humor em alguma música. Seja ouvindo trancado no seu quarto, seja cantando desafinado no chuveiro. Isso, inconscientemente, é você liberando sentimento através das músicas.
Todo musical, independente da história, é baseado nesse conceito: Sentimento. Tristeza ou felicidade, quando uma emoção é forte demais ao ponto de palavras não conseguirem descrever, a música é para onde recorrer. Pode prestar atenção! Em nenhum musical a canção vem do nada.
Usemos Wicked como exemplo, inclusive a música mais popular de todo o musical desde a estreia da peça em 2003: Defying Gravity.
A música composta por Stephen Schwartz, na versão da peça e do filme, alterna entre cantoria e diálogos. Enquanto Glinda e Elphaba discutem, a música só cresce quando elas estão tentando alcançar uma a outra emocionalmente e, no final, no melhor momento de todo o espetáculo, a agora Bruxa Má do Oeste partilha de todo o seu ódio por Oz com um monólogo cantado que rendeu um Tony (o Oscar dos Musicais) de Melhor Atriz para Idina Menzel e uma indicação de Melhor Orquestração para William David Brohm. Além de, claro, a própria indicação de Cynthia Erivo para Melhor Atriz no Oscar 2025.
Claro que há musicais que são 100% cantados, e esses seguem outros conceitos. Hamilton, por exemplo, não larga da música em momento algum, mas se aproveita disso no seu storytelling, que depende da mescla do rap com os instrumentos de fanfarra para traduzir uma história do século XVII para o XXI.
Ou Lés Misérables, que ao invés de transportar a Revolução Americana para a contemporaneidade, nos transporta para a Revolução Francesa através de uma ópera que, lhe garanto — por mais que Masters of The House seja uma música bem divertida — é muito mais emocionante que muito filme de drama por aí.
Significa que todo musical funciona? Infelizmente não. Há filmes que a história se beneficiaria de jogar fora seus momentos musicais. Wish, por exemplo, filminho recente da Disney que comemorou seus 100 anos, tem, no máximo, 3 de suas 8 músicas que de fato soam como os sentimentos dos personagens externalizados ao extremo, ao invés de inserções feitas para viralizar no TikTok. E mesmo assim, é um filme infantil. Esse problema é bem raro em musicais para adultos (e acredite, existem muitos).
Resumindo: a graça dos musicais é a forma que as músicas são utilizadas não somente para manifestar as emoções dos personagens, mas para evocar sentimentos específicos de quem assiste e criar uma ponte entre a história e o público.
Do gospel de O Príncipe do Egito ao pop de Epic: The Musical, claro que não é todo musical que vai conversar com você. As músicas do ABBA não eram para todo mundo nem nos anos 70, imagina 50 anos depois! Mas entendendo a razão para a inclusão das músicas, e prestando atenção na forma que elas alavancam a história, boa parte deles se torna muito mais aproveitável.
Por hoje é só, mas definitivamente não vai ser a última vez que falaremos sobre musicais nesse jornal! Já foram cinco podcasts até então, e amanhã sai a resenha completa da versão brasileira de Mamma Mia!
Texto de Tiago Samps
Revisado por Emilly Lois
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