Afinal, quem está certo em The Last of Us?

Antes de começarmos, é importante deixar claro que este artigo levanta uma discussão sobre a trama dos dois jogos de The Last of Us. Não sobre a série. E, logicamente, como os jogos saíram em 2013 e 2020 respectivamente, este texto traz informações que, para quem apenas acompanha a adaptação da HBO em exibição desde 2023, obviamente será um spoiler — um que talvez sequer se aplique, visto que os roteiristas têm matado um pouco da dualidade da trama original e objetivamente motivações erradas para os personagens. Enfim, prossiga por sua própria conta e risco.

O primeiro jogo de The Last of Us, franquia criada por Neil Druckmann e sua equipe na Naughty Dog, trata de sobrevivência em um mundo pós-apocalíptico e, acima de tudo, sobre como os seres humanos são uma ameaça tão grande (no caso da série, até maiores) do que da infestação zumbi que assola o mundo. O segundo jogo, como comentado em um dos primeiros textos deste site (inclusive também escrito por mim, Tiago Samps, embora com muito menos experiência e desenvoltura), entrega uma lição sobre consequências. É um jogo que divide muitas opiniões, pois nos tira do ponto de vista de Joel Miller e nos apresenta as visões de Ellie Williams — que conhecemos há mais tempo e passamos o primeiro jogo inteiro a vendo como filha nos olhos de Joel, logo, somos mais propensos a compactuar com sua perspectiva da história — e Abby Anderson, com uma nova história que essencialmente antagoniza os protagonistas.

Tal proposta dividiu a opinião dos jogadores: não apenas pela morte de Joel logo no início do jogo, mas pela forma que a trama lida com a jornada de todos esses personagens.

Recentemente, Neil Druckmann declarou que, em sua visão, acha que Joel está certo. Que se estivesse na mesma situação, não agiria diferente. Considerando que o homem é pai, isso faz sentido. Não há um pai (ou mãe) com quem conversei previamente a este artigo que não relate que sua prioridade são seus filhos, mesmo que o fosse o destino do mundo estivesse na mesa — a mesma mesa de operações que faria a cirurgia no cérebro de Ellie. O jogo inteiro constrói a relação paterna entre os dois, e Druckmann ainda se tornou pai durante a produção do jogo, o que não só afeta como ele se relaciona com o próprio personagem, mas em toda a escrita que ele mesmo fez do roteiro do jogo. Aquele final é pessoal e real.

No segundo jogo acompanhamos a Ellie, e descobrimos que a jovem teria dado a sua vida pela humanidade. Por mais que o jogo deixe claro que a cura da infecção zumbi não fosse nada certo — e qualquer um que preste atenção aos detalhes entende que, nas circunstâncias dos Vagalumes, eles definitivamente não chegariam perto de conseguir extrair a imunidade da Ellie (por mais que Druckmann tenha inventado recentemente, do nada, que a cura teria sim dado certo) —, ela ainda mantém seu válido ponto sobre a escolha ser DELA. Viável ou não, impossível ou não, foi uma escolha retirada dela. O que logicamente justifica seu rompimento com Joel no início do jogo. Quem nunca passou um tempo afastado dos pais? A primeira lição sutil, mas muito conectada a conexões reais da realidade, desse segundo jogo vem aqui: por mais curto que seja esse rompimento entre Joel e Ellie — e que, claro, iria passar. São pai e filha. — Ele morre antes que ela pudesse de fato perdoar ele. Da mesma forma que Joel, por impulso, mata os cientistas responsáveis pela cura para salvar sua filha, Ellie, por impulso, também vai atrás de todos os responsáveis por matar seu pai. Por vingança? Sim. Mas também por culpa

E é um ciclo, pois quem mata Joel é filha de um dos Vagalumes que trabalhava na tal cura e foi morto por Joel. Na visão de Abby, o que Joel Miller é senão um psicopata egoísta?

Todo o ponto do segundo jogo é que não há um ponto de vista certo, apenas pontos de vistas diferentes, os quais são justificados dependendo da perspectiva. Da mesma forma, nenhum dos três está errado: Joel agiu como qualquer pai, biológico ou adotivo, agiria, e fez de tudo para não perder outra filha; Ellie se afundou em uma depressão de culpa e vingança por ter deixado Joel morrer sem seu perdão, e na insistência de um conflito que mais a prejudicou do que agregou ao seu luto e ao processo de superar os acontecimentos.

No fim, Abby foi a personagem que mais aprendeu com os seus erros, e por mais que nenhum dos três esteja certo ou errado, seus finais — a morte de Joel, a solidão de Ellie e o “renascimento” de Abby — caem como uma luva em suas jornadas e suas escolhas.

As opiniões dos jogadores (e espectadores, pois sei bem como muitos presenciaram essa história de outras formas) são logicamente carregadas de experiências pessoais, e terão discordâncias e concordâncias com diferentes pontos da história de cada personagem. Talvez exatamente por isso The Last of Us seja tão icônico. Claro que um tiroteio em um apocalipse zumbi é divertido, mas relações sociais e desenvolvimento humano não soa como uma discussão muito mais legal de se ter?

As duas temporadas da adaptação do jogo (renovada para mais duas) já estão completamente disponíveis no streaming MAX, mas infelizmente, todo o charme dessa história ambígua foi completamente descartada por uma trama rasa e expositiva. Mas falamos disso melhor na nossa review (que ninguém pediu), no nosso podcast e seja lá qual vai ser a minha outra desculpa para falar de The Last of Us por aqui.

Até lá!

Texto por Tiago Samps

Revisão de Clara Silvestre e Emilly Lois


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