Coração de Ferro: Legado e Excelência
Depois de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, dificilmente você viu alguém dizendo que queria ver mais de Riri Williams. A personagem de Dominique Thorne foi extremamente importante para o filme da Shuri e é interpretada de forma muito carismática e talentosa, mas ali a personagem soou e muito bem como uma coadjuvante, não muito diferente de sua origem nos quadrinhos.
Criada por Brian Michael Bendis (Miles Morales, Jessica Jones), a Coração de Ferro chegou devagarinho nas histórias do Homem de Ferro e rapidamente se tornou extremamente importante para a mitologia e legado de Tony Stark. Claro que como uma personagem feminina e negra protagonizando o título editorial do Homem de Ferro (mesmo que por menos de vinte edições), isso causou um alvoroço grande, mas não o suficiente para que a personagem em 10 anos não fosse consagrada com adaptações para outras mídias, como o cinema.
Ryan Coogler (que além da franquia Pantera Negra também é o gênio por trás de Pecadores) fez questão de produzir a série de Riri Williams mesmo “ninguém pedindo”, anunciada em 2022, mas lançada 3 longos anos depois, entregando uma qualidade não vista sequer nas produções com maior expectativa e relevância na visão do público.
A série se destaca por traduzir tão bem a origem e personalidade de Riri Williams enquanto entrega algo novo ao se perguntar qual o caminho que a personagem seguiria se não houvesse Tony Stark para ser seu mentor.
Sem a tutela (e o dinheiro) do Homem de Ferro, Riri acaba caindo nas mãos do Capuz, o líder de uma gangue de bandidos, em busca de financiar seu projeto de armadura. As motivações da personagem não mudaram, do contrário, ganham mais peso ao adentrarem em um caminho curto, largo e absurdamente dúbio, trazendo questões sérias para uma personagem originalmente bem mais descontraída.
Apesar do Capuz não ter relação alguma com a Coração de Ferro nos gibis, a junção faz sentido por serem dois naturais de Chicago, o que torna crível o encontro — principalmente quando o vilão sempre foi uma presença forte na história de heróis aleatórios e diversos — e, assim como a Riri, Parker Robbins também tem uma história mais encorpada. A interpretação de Anthony Ramos ajuda bastante. Na verdade, todo o elenco da série é muito bom, mas o destaque definitivamente está na dupla antagônica.
Tecnicamente, a série surpreende muito. A direção é muito criativa (destaque para os episódios de Angela Barnes) e o roteiro de Chinaka Hodge entrega personagens identificáveis e uma produção descarada e atrevidamente negra, com muita personalidade. Apesar do toque de qualidade de Coogler ser muito sentido, é a Hodge quem se deve todo o louvor pela excelência da produção, que vale muito a pena citar ter também um trabalho prático que fez tanta diferença quanto fez na cinematografia de Thunderbolts*, principalmente nas cenas de armadura.
Todas as armaduras são lindas! E elas não são pouco usadas não. A série trabalha muito bem seu orçamento para entregar de forma satisfatória cenas de ação da Coração de Ferro, mas com um roteiro inteligente o suficiente para destacar as habilidades de Riri Williams mesmo sem um traje.
A excelência do roteiro se dá não apenas na qualidade da escrita, mas na história contada, que trata de luto, oportunidades, cobranças internas e até de legado. Riri Williams carrega um legado familiar direto, e indiretamente se atrela ao de Tony Stark, mesmo sem ligações, mas por fatores menores que simplesmente fazem sentido para ela e este universo, além de novas conexões através de personagens novos e antigos.
Mesmo a série sendo completamente focada na história DELA, o Universo Cinematográfico da Marvel se faz presente de forma orgânica e expansiva, vindo desde os filmes do Homem de Ferro (logicamente) até se amarrar com o núcleo místico do Doutor Estranho através do conflito com o Capuz.
O embate entre tecnologia versus magia não foi tanto o foco quanto poderia ter sido, mas pode haver espaço para explorar mais disso em futuras temporadas e focar nos atritos pessoais dos personagens provavelmente foi a melhor opção para nos conectarmos a eles.
Atritos estes que se estendem ao espectador também! A série não passa pano para as atitudes duvidosas e impulsivas de Riri, que sofre as consequências e aprende. Talvez justamente por ser fácil de gostar dela APESAR de tantos defeitos demonstrados (e possivelmente só gostamos por presenciarmos essas falhas, afinal, personagens identificáveis são sempre mais aprazíveis, mesmo quando no erro) que o final é tão… amargo. Definitivamente não ruim, mas surpreendentemente amargo. Aquele aperitivo cujo gosto na boca definitivamente não é doce, mas dá vontade de comer mais.
Infelizmente, a série teve fraquíssima divulgação da Marvel e do Disney+, que aparentemente estavam tentando driblar o falatório e mimimi dos racistas que, desde os primórdios do entretenimento, enchem o saco do que não traz um homem branco como foco. Ignorando isso, Coração de Ferro tem o foco em contar uma boa história, com personagens legais, música boa (de verdade, que trilha boa) e uma excelência que poucas produções da Marvel (mesmo entre os filmes) alcança.
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Para aqueles que sequer dão chance para a série! |
VEREDITO: ★★★★
Ainda há muito da história de Riri Williams e Parker Robbins a ser contada, e a Coração de Ferro tem muito potencial de crescer com novas temporadas como uma heroína identificável assim como Miles Morales no mesmíssimo período de tempo. A originalidade da história e a qualidade de tudo produzido fazem valer a pena a curta jornada de 6 episódios, mesmo que o final tropece levemente em ritmo.
Texto de Tiago Samps
Revisado por Luisa De Luca
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