Agatha Desde Sempre nas cordas dos Maximoff | REVIEW QUE NINGUÉM PEDIU

 

Depois de Vingadores: Ultimato (e Homem-Aranha Longe de Casa), a Marvel entrou em um hiato de 1 ano durante a pandemia que foi quebrado (para desbloquear uma cadeia desenfreada de lançamentos, mas isso é assunto para outra hora) com WandaVision, a primeira série da Marvel Studios para o Disney+. A série foi um sucesso, e é até hoje, e gerou diversas formas de sequências, como Doutor Estranho no Multiverso da Loucura, a série do Visão, que começa a ser filmada no próximo ano, e, surpreendentemente, uma série da vilã Agatha Harkness, uma personagem que o público geral não conhecia até ver em live-action e que mesmo os fãs de quadrinhos não se importavam muito. Eu mesmo me perguntava "Para quê?" Essa série seria feita.

Nas últimas semanas, eu tomei um tapa na minha cara para aprender que, com uma boa história para contar, qualquer personagem, seja ele um vilão ou secundário, pode gerar um bom spin-off, porque Agatha Desde Sempre e Pinguim (spin-off de The Batman, na MAX) estrearam juntas, com suas propostas e públicos completamente diferentes.

Agatha Desde Sempre começou a ser exibida no dia 18 de setembro e terminou na noite de 30 de outubro, com o total de 9 episódios de mais ou menos meia hora. A série retoma a história de Agatha, de onde a personagem ficou no fim de WandaVision, aprisionada no feitiço da Feiticeira Escarlate em Westview, sendo a única diferença que três anos se passaram.

O primeiro episódio, inclusive, reproduz a vibe de WandaVision, simulando uma série policial enquanto Agatha, ou melhor, Agnes, acredita ser uma detetive em Westview, que vive traumatizada pelos eventos causados pela Feiticeira Escarlate. Logo no segundo episódio, a série já inicia seu próprio caminho, sendo (ao menos, por um tempo) sobre a própria Agatha e explorando mais a fundo o mundo das bruxas no Universo Cinematográfico da Marvel.

'Agnes of Westview' é a pequena paródia do gênero True Crime que o episódio 1, "Ache o Caminho", faz, assim como WandaVision faz com Sitcoms.

Enquanto o Coven do Caos (o grupo reunido por Agatha) passa pelo Caminho das Bruxas (a jornada que a trama gira em torno), cada episódio traz uma provação diferente, reproduzindo, por alguma razão que não faz muito sentido no decorrer da trama (mas é explicada no plot twist nos últimos episódios), a dinâmica de representar uma década do século 20 por episódio.

A série tem um tom muito mais leve do que a sua antecessora, apelando também para um público diferente, trazendo o primeiro protagonismo explicitamente LGBTQIA+ da Marvel no Disney+ (mas não da Marvel Television no geral, porque essa conquista foi de Fugitivos em 2018). Esse tom entrega uma série divertida, que soube trabalhar com seu elenco carismático, e que tem um saldo muito positivo de personagens com personalidade também, mesmo que a maioria delas morra para dar lugar justamente aos mais sem graça e insuportáveis do grupo...

Sasheer Zamata, Joe Locke, Kathryn Hahn, Ali Ahn e Patti LuPone, respectivamente, da esquerda para a direita, no Caminho das Bruxas.

Enfim, quanto aos personagens, com exceção de Agatha (Kathryn Hahn) e as curtas aparições do núcleo de Westview, que reprisam seus papéis, todo o elenco traz novos nomes, como Patti LuPone (Beau Is Afraid, Steven Universe), que é destaque do que é com muita facilidade o melhor episódio de toda a série (o 7º , "Se A Morte Me Encontrar") e Joe Locke (Heartstopper), que assume o co-protagonismo da história.

Agora, me perdoem o SPOILER, mas é extremamente necessário revelar o papel de Locke para justificar minhas reclamações sobre a série, mas o personagem dele é o maior problema daqui por ser a insistência em um erro que a Marvel vem cometendo desde 2015, em Vingadores: Era de Ultron, quando Elizabeth Olsen e Aaron Taylor-Johnson (brancos) foram escalados para interpretar Wanda e Pietro Maximoff (que são romani), Oscar Isaac (não judeu) para interpretar o Cavaleiro da Lua (que não só é judeu como tem isso como parte importante da sua história), e Xochitl Gomez (uma latina de pele clara, branca para nossos parâmetros latino americanos) para interpretar America Chavez (afro-latina): apagamentos étnicos e drásticas mudanças nos backgrounds dos personagens (já escrevemos sobre porque isso é um problema, caso não seja óbvio para você)

Não serei hipócrita. Na review da 4ªtemporada de The Boys eu falei que fidelidade [ao material original] não é sinônimo de qualidade, e eu continuo defendendo esse ponto. Infidelidade é um ponto negativo ao adaptar uma história quando:

1 - Apaga algum aspecto importante para a história sendo contada;

2 - Apaga um grupo étnico, racial e/ou social inteiro que se vê representado nesse personagem;

3 - Quando a adaptação é uma merda.

Com Billy Kaplan, a série dá check nos três itens da lista.

Pôster oficial de Billy Kaplan/Maximoff liberado pela Marvel após o episódio 5, "Algo Oculto e Impuro".

Não concordamos com o hate em cima da aparência do ator, mas concordo que a escalação já começou errada quando ele não é judeu, algo que faz tão parte do cerne do personagem que esteve presente até em seu casamento, em uma de suas histórias mais recentes. Esse aspecto não foi apagado na série, mas não foi devidamente respeitado. Nos quadrinhos, Billy demorou para aceitar os seus poderes por medo de mexer com bruxaria, algo que vai contra a sua religião, e só se inclinou completamente ao seu potencial quando entendeu que seus poderes NÃO eram os mesmos da Feiticeira Escarlate – ela é uma bruxa, ele é um mutante que altera a realidade.

Não só seus poderes são e funcionam de forma diferente nos quadrinhos, como a sua origem também. Depois da morte de William e Thomas Maximoff (os gêmeos criados pela magia da Wanda), suas almas reencarnam no passado em dois bebês humanos, sem possessão alguma (algo que também soa desrespeitoso quando tratamos de um personagem judeu), mas essa mudança, apesar de confusa, é o de menos.

A personalidade do personagem, que também é gay nos quadrinhos, também foi um pouco alterada. Enquanto a sexualidade de Billy é algo muito inerente à sua personalidade e suas histórias, ele não é o estereótipo de gay adolescente representado na série. Ao menos, foi um personagem que conversou com um novo público, mas ele soa muito mais como um personagem completamente novo, que em comum só compartilha o nome e o uniforme do Wiccano dos Jovens Vingadores.

Quadro de Jovens Vingadores (2013) #1, por Kieren Gillen, Jamie McKelvie e Mike Norton, com Billy Kaplan usando os seus poderes para visualizar todos os mundos possíveis. Nos quadrinhos, o Wiccano precisa falar os seus poderes para conseguir usar. Apesar de manipular energia mágica, Billy não é uma bruxa como sua mãe.

Como eu disse anteriormente, a trama começa em torno de Agatha, mas gradativamente a personagem que dá nome à série se torna co-protagonista da série, até por fim ser quase uma coadjuvante para a história do Wiccano. A série que "ninguém pediu" conseguiu criar uma mega curiosidade sobre o passado de Agatha, para responder apenas metade das perguntas criadas em prol de desenvolver um personagem que só repete o que já foi feito (mais de uma vez!) com a Feiticeira Escarlate.

Apesar de Billy Maximoff, ainda há o que destacar na série, como a qualidade da atmosfera criada mesmo com o menor orçamento de toda a Marvel Television até agora. A utilização de efeitos majoritariamente práticos é algo que faz muita falta no UCM, mas eu estaria mentindo se dissesse que esse menor orçamento não é perceptível ao assistir.

E a série não é exatamente um musical, mas ela se aproveita do sucesso que foi Agatha All Along ("Foi a Agatha e mais ninguém!"), que venceu um Emmy e foi indicada ao Grammy, e cria a Balada do Caminho das Bruxas (The Ballad of the Witches' Road), que desempenha um papel importante e interessante na trama.

Por trás das cenas do episódio 4, "Eu Não Te Vejo, Mas Te Protejo", com Ali Ahn (Alice Wu) gravando o seu solo de "The Ballad Of The Witches Road".

Jac Schaeffer (a produtora) acaba repetindo muito de WandaVision, seja o que deu certo ou o que deu errado, e eu sinto que essa não seria a última vez que veríamos essa mesma estrutura de série (simulação e manipulação de vida, brincadeira com tempos históricos, um vilão que tava ao lado do protagonista o tempo todo) se ela não tivesse saído do comando da produção do vindouro spin-off do Visão.

No fim, o mais interessante da série acaba sendo o que faz parte da história da Agatha, que é deixada de escanteio para saciar a vontade do público e do grande UCM de contar a "trágica" e chata (sério, eu não aguento mais esse dramalhão todo) da família Maximoff. 

VEREDITO: ½

Para quem gosta de WandaVision, essa é uma sequência muito melhor que Doutor Estranho no Multiverso da Loucura. Para quem gosta de séries com protagonismo LGBTQIA+ de público-alvo mais adolescente, também é uma boa pedida. A verdade é que Agatha Desde Sempre definiu, logo em seu início, o público que queria atingir, e isso de forma alguma é ruim, mas significa que quem está fora dessa demografia talvez não encontre muito para se divertir aqui.

Todos os episódios já estão disponíveis no Disney+.


Texto de Tiago Samps

Revisado por Emilly Lois

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