Superman & Lois e a restauração do legado do Homem de Aço. | REVIEW QUE NINGUÉM PEDIU

 Nessas últimas semanas, o último episódio de Superman & Lois foi exibido ao redor do mundo. A série, exibida originalmente no canal The CW, começou como um spin-off do infame Arrowverso (que defendemos aqui no blog e no POD•ish•CAST em toda oportunidade) antes de rapidamente se tornar algo separado e próprio, mas não deixou de marcar o fim de uma parceria de duas décadas entre a DC e a rede aberta de televisão americana.

Enquanto as outras séries do canal sobre personagens da DC (com exceção de Legends of Tomorrow) contam histórias de origem de clássicos heróis, Superman & Lois foge dessa proposta ao trazer um Superman já estabelecido, dividindo protagonismo como o título já entrega, com sua esposa Lois Lane em uma história sobre família. Até porque, não faz sentido nenhum contar a origem e trajetória de Kal-El de novo quando a própria CW já fez 10 temporadas sobre isso em Smallville, de 2001 a 2010.

Inclusive, se escorando em "Smallville" e em "Supergirl", "Superman & Lois" traz personagens e assuntos da mitologia do Homem de Aço com muito mais naturalidade do que uma história de origem, permitindo uma história mais madura para a nova família Kent.

Em todas as temporadas, a série traz dois conflitos separados para o Superman e para a Lois Lane, ao mesmo tempo que o casal lida, juntos, com os conflitos que acontecem com (ou são causados por) seus filhos: Jonathan e Jordan Kent.

Os gêmeos trazem um dilema constante na série quando apenas um irmão, Jordan (Alex Garfin), desperta poderes kryptonianos enquanto o outro, Jonathan (interpretado inicialmente por Jordan Elsass, mas substituído por Mike Bishop depois da 2ª temporada) se descobre tão humano quanto sua mãe– de forma que ambos precisam lidar com estar na sombra do outro de alguma forma. Infelizmente, conforme a série avança, esta dinâmica se perde.

Mike Bishop e Alex Garfin como Jonathan e Jordan Kent, respectivamente.

Tudo de bom que é construído na primeira temporada (e uma das nossas primeiras resenhas no início deste blog foi justamente sobre o início de Superman & Lois) sempre se mantém na seguinte, enquanto há sempre claras tentativas de contornar os pontos negativos. A produção da série sempre teve um cuidado, que ficou ainda mais perceptível nessa 4ª e última temporada, de fazer o trabalho com a melhor qualidade possível, baseando-se nas limitações da TV aberta.

Todo o elenco tem uma química absurda, mas o destaque com certeza fica com a dupla protagonista: Tyler Hoechlin e Elizabeth Tulloch. Ambos trazem o melhor da relação de Clark Kent e Lois Lane, mas de uma forma muito além do que vimos em qualquer filme ou série. Os dramas da vida de casado são muito mais fortes do que o início de uma história de amor ou um longo namoro. O que Clark enfrenta como Superman sempre respinga na família, da mesma forma que o que Lois enfrenta como jornalista (a melhor do mundo, devemos dizer) também afeta o geral. A série não esquece em momento algum que Lois também é protagonista e, em toda oportunidade que tem, Bitsie entrega a melhor performance da personagem até agora.

No que diz respeito aos vilões, toda temporada traz uma subversão para ligar os dois arcos principais: na primeira temporada, por exemplo, Superman enfrenta o Erradicador enquanto Lois enfrenta Morgan Edge, que no fim são a mesma pessoa. Inclusive, foi um ótimo personagem da série, com ótima performance de Adam Rayner, que fez falta nessa temporada final.

Na quarta temporada, os problemas de toda a família culminam no Lex Luthor (Michael Cudlitz), que aqui também está em sua melhor versão. O vilão é psicopata em níveis completamente assustadores para um vilão que evita ao máximo sujar as próprias mãos, o que torna o jogo de xadrez entre ele e Lois Lane na maioria das vezes muito mais interessante do que os monstros gigantes que ele envia para que o Superman os enfrente.

Michael Cudlitz como Lex Luthor na 4ª temporada.

Não só da família Kent vive a trama da série: os Irons, que são parte da família estendida de Lois e Clark, e as Lang/os Cushing são o principal apoio da família Kent. Apesar de serem um ótimo núcleo complementar, a última temporada da série definitivamente não soube escolher quais os personagens secundários que teriam suas histórias melhor exploradas, claro, devido ao corte no orçamento e na quantidade de episódios.

Adaptando (com muitas liberdades na escrita) os arcos de A Morte do Superman, O Reino dos Supermen e Grandes Astros: Superman. É notável o esforço feito para que essas histórias fossem contadas da melhor forma possível em uma temporada curta, mas todo o "Reino dos Supermen", onde personagens como o Superboy, o Erradicador e o Aço tentam preencher o buraco deixado pelo Superman durante a sua morte, é completamente deixado de fora (mesmo que esses personagens façam parte da série e tenham muita importância em temporadas anteriores). E nisso, são projetados arcos que, não são tão empolgantes assim, para personagens que poderiam ter sua história resolvida em menções ou participações menores.

"Reign of Supermen" é o título da saga publicada nos anos 90 que acompanha o período em que o Superboy (Conner Kent), o Aço, o Erradicador e o Superman Ciborgue tentavam ocupar o papel de Kal-El em Metrópolis, cada um do seu próprio modo. A saga é um clássico e, junto de "A Morte do Superman", tem adaptação para animação.

Talvez essa decisão tenha sido tomada para focar ainda mais no tema "família". Mas, levando em conta que, nesta versão, o(s) Superboy(s) são filhos do Superman, o Erradicador, seu irmão biológico, e John Henry Irons, seu melhor amigo (interpretado por Wolé Parks), o tema com certeza não fugiria.

Teste de figurino de Wolé Parks como Aço (John Henry Irons). Se não fosse o corte de orçamento da série, o personagem teria um papel maior na 4ª temporada.

Se não fossem essas pequenas escolhas causadas pela falta do orçamento, e seguindo o planejamento inicial para a série caso fosse continuada ou ao menos tivesse uma temporada final padrão, o trabalho entregue aqui e em todo o seu decorrer é de se parabenizar, principalmente ao comparar com as últimas temporadas de séries da DC pela CW.

Deve ser destacada a força para se livrar de alguns vícios do Arrowverso, como a necessidade de dar poderes e codinomes a todos os coadjuvantes e a formação de um time, mas mesmo quando a série cai em algum vício da CW, é de forma controlada. Por exemplo: revelações de identidade ou o clássico drama romântico, que felizmente aqui é guardado aos adolescentes e coadjuvantes para que Lois e Clark tenham paz ao menos neste aspecto da sua vida – já que a paternidade é o suficiente, e absolutamente ninguém quer ver uma história de divórcio do melhor casal da DC Comics, principalmente quando The Flash e Arrow já usaram e abusaram de tramas de separação e reconciliação...

Voltando a falar um pouco dos gêmeos, Jordan é o personagem que mais irrita por sempre passar pelos mesmos problemas, sem evoluir tanto quanto poderia. As histórias de Jonathan são, geralmente, as mais interessantes, principalmente levando em consideração que o personagem herda os poderes de seu pai nos quadrinhos– enquanto aqui na série toda a sua graça é lidar com o fato dele ser mais parecido com sua mãe e seu avô do que com seu pai e seu irmão, fortalecendo sua relação com Lois e Sam Lane. Alex Garfin e Jordan Elsass eram bons em seus papéis, mas, quando Mike Bishop entra no papel de Jonathan, as interações entre os irmãos sobem para um novo patamar de qualidade pelo tanto que o novo ator se prova bom, mesmo que os roteiristas decidam jogar completamente fora as questões de "mais Lane do que El" na última temporada justamente quando o personagem está no ápice da aceitação com essas questões e grandes dilemas vem à tona quando Lex Luthor (que repito, melhor versão do personagem até hoje) ameaça os gêmeos.

Tecnicamente falando, tudo na produção da série é feito para construir um ar de esperança: esperança para os problemas enfrentados pela família Kent (que são muitos), esperança para Smallville, Metrópolis e para o mundo. A Esperança que o Superman foi criado para simbolizar sob a alcunha de "Defensor dos oprimidos", em 1938. Desde a fotografia, que pode causar estranheza no seu tom mais cinematográfico para quem está acostumado com às "cores de TV" de Supergirl (onde essa versão do personagem nasceu), mas que fazem completo sentido e entregam diversos momentos lindos. Até a trilha sonora de Dan Romer, que traz um tema diferente do que estamos acostumados para o Homem de Aço (dito isso, amamos John Williams e Hans Zimmer), descartando também o que Blake Neely tinha previamente composto pro personagem. Algo simples e calmo, porém crescente, que termina em 8 simples notas que cantam, GRITAM "O Superman está aqui" quando toca.

Esse sentimento de esperança e familiaridade é extremamente necessário nas histórias do Superman, porque é exatamente o que faz este herói, mesmo sendo indestrutível, tão relacionável. Superman & Lois entende que o melhor das histórias do Superman nunca esteve, ao menos apenas, atrelado ao seu lado Kryptoniano. Kal-El não seria um bom herói se não fosse criado como Clark Kent por Jonathan e Martha em Smallville, se não tivesse crescido com Lana Lang, muito menos se não tivesse se apaixonado por Lois Lane. O Superman representa a humanidade por ser, também, humano. E a série termina deixando isso muito claro. 

04x10: It Went By So Fast

É engraçado porque seria muito difícil contar histórias tão intimistas do Superman em mídias mais abrangentes como a TV (aberta, vale lembrar) cujo público geralmente exige tramas mais grandiosas e épicas, o que faz da CW, com todos os seus altos e baixos, a casa perfeita para que Superman & Lois trouxesse esse tipo de história que tanto fez falta nas adaptações do personagem nos últimos anos.

Já falamos aqui anteriormente, em um artigo simples destrinchando o Superman como personagem para aqueles que não gostam do herói, como está série e a nova animação "Minhas Aventuras com o Superman" estavam trazendo visões mais dignas do personagem, e saliento agora como ambas fazem um ótimo trabalho em reestruturar o legado de um personagem que, de alguma forma, virou símbolo de patriotismo e opressão ao invés de Esperança, Verdade, Justiça e um amanhã melhor.

VEREDITO: ★★★★

Todas as temporadas da série foram distribuídas pelo MAX aqui no Brasil, e recomendamos fortemente a série para antigos fãs de Smallville, fãs do Superman dos quadrinhos, fãs de histórias de super-heróis, ou simplesmente para quem procura uma boa série de TV com bons personagens, dramas familiares e ocasional porradaria entre alienígenas e caras de armadura!

Texto de Tiago Samps

Revisão por Luisa De Luca e Emilly Lois

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